03/05/2022

Pão & queijo ou açafate?



O santuário da montanha Cardón, junto do qual nos quedámos a admirar a esforçada e escassa floração da Spergularia fimbriata, é uma sala quadrangular escavada na rocha que podemos espreitar por entre as grades do postigo de uma rústica porta de ferro. Lá dentro vêem-se imagens de santos nas paredes, um pequeno altar onde pousa um relicário guarnecido com velas, flores artificiais que passam sem rega mas não sem espanador; cá fora alinham-se vasos de sardinheiras com garridas flores cor-de-rosa. O local é consagrado à Virgen del Tanquito e aberto em dias de romaria. Alimentado por manancial de água que, embora escasso, brota todo o ano, o tanquito é pouco menos que um milagre em ilha tão seca. Noutras épocas terá sido vital para os habitantes da ilha, e o culto mariano é o modo de exprimir a gratidão pela generosidade divina.

Lobularia canariensis subsp. marginata (Webb) L. Borgen


Com flores brancas que pouco se destacavam do fundo rochoso manchado por líquenes, uma outra planta nativa dava um ar de sua graça nas escarpas sobranceiras ao santuário. Denunciando nas flores de quatro pétalas a sua pertença à família das crucíferas (que inclui couves, rabanetes e mostardas), assemelhava-se fortemente ao nosso açafate-da-praia (Lobularia maritima), uma planta agradavelmente perfumada, espontânea em quase todo o litoral português, que floresce o ano inteiro — e que, por essas qualidades, é também cultivada em jardins. Por não estar a jeito de a cheirarmos, não pudemos saber se a planta que avistámos na montanha Cardón era igualmente olorosa, mas de resto é difícil apontar em que é que a Lobularia canariensis subsp. marginata (é esse o seu nome completo) se diferencia, à primeira vista, da Lobularia maritima europeia: hábito, folhas, flores e frutos — tudo parece quase idêntico. Asseveram os manuais que as plantas canarinas têm flores algo maiores e frutos com maior número de sementes (até quatro em vez de duas), mas não verificámos esses detalhes.

Paniqueso é o nome dado nas Canárias às plantas do género Lobularia — que são, em geral, herbáceas perenes de base lenhosa. A Lobularia canariensis não é exclusiva das Canárias: existe também em Cabo Verde e nas Selvagens. De facto, as plantas das Selvagens e de Cabo Verde pertencem a subespécies endémicas, distintas das que ocorrem nas Canárias, que também tem sortida amostra de subespécies próprias. A subsp. marginata (fotos acima) ocorre em Fuerteventura e Lanzarote; nas restantes ilhas estão assinaladas quatro subespécies adicionais, algumas delas claramente diferentes do nosso açafate-da-praia. A subsp. intermedia, ilustrada abaixo com fotos obtidas em Tenerife, é talvez a que tem personalidade mais vincada, apresentando flores de cor creme com pétalas estreitas e folhas quase lineares.

Lobularia canariensis subsp. intermedia (Webb) L. Borgen

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