07/10/2022

Saudades das Canárias

Do género Pterocephalus conhecem-se cerca de 30 espécies que se distribuem pela região mediterrânica, Ásia, norte de África e Macaronésia. Mas não há registo da sua presença em Portugal. Por isso, deixamos-lhe aqui um roteiro, e um bom motivo, de passeio pelos arredores, caso queira conhecer este género sem ter de viajar para demasiado longe.

No sul e sudeste de Espanha, entre os 1000 e os 2300 metros de altura, ocorre uma espécie endémica do género Pterocephalus, o P. spathulatus. A rascapiedras é uma herbácea cespitosa, que aprecia o solo magro de rochas calcárias e dolomíticas. As folhas são inteiras, espatuladas e protegidas por uma camada grossa de penugem. As flores rosa-violeta, de Verão, nascem em capítulos solitários terminais que parecem grandes quando comparados com as folhas, mas na verdade as flores maiores (as externas) não ultrapassam os 3 cm de diâmetro.

Morando igualmente perto, e preferindo também taludes rochosos entre os 1500 e os 3100 metros de altitude, o Pterocephalus depressus é uma preciosidade da montanha do Atlas. É um endemismo de Marrocos que floresce mal chega o Verão. As folhas são lobadas e rechonchudas, formando tapetes de onde sobressaem as flores vistosas de pé alto.

Se puder viajar para um pouco mais longe, digamos até ao arquipélago das Canárias, terá o benefício de poder aí apreciar não um mas quatro endemismos do género Pterocephalus.

O Pterocephalus dumetorus restringe-se às ilhas centrais, Grã-Canária, Tenerife e La Palma. Distingue-se dos anteriores por ter porte arbustivo (daí o nome dumetorus), podendo chegar ao metro e meio de altura. As inflorescências arroxeadas não são solitárias, e estão vistosas entre Maio e Agosto. As folhas são grandes, de textura frágil e cor verde-pálido, lanceoladas e com um ápice pronunciado. Vimos o rosalito selvaje na Ladera de Güímar, em Tenerife, mas parece ser mais frequente na Grã-Canária.

Pterocephalus dumetorus (Brouss. ex Willd.) Coult.


Caso decida ir mesmo até La Palma, não deixe de procurar o rosalito palmero (Pterocephalus porhyranthus), de folhas ovais, ramagem densa e flores cor-de-rosa forte (o centro é quase púrpura). É também uma herbácea de altitude (1300-2450 m) que forma coxins baixos (uns 50 cm no máximo), em floração entre Junho e Agosto. Não temos fotos para lhe mostrar, porque ainda não visitámos La Palma, mas pode ver imagens aqui.

O Pterocephalus lasiospermus é um endemismo da ilha de Tenerife, havendo dele registo apenas na zona subalpina das Cañadas del Teide. O rosalito de cumbre é também arbustivo, de folhas em tom verde-cinza e capítulos de flores de corola rosada com pedúnculo longo, que surgem em pleno Verão (com o tempo já bastante quente na ilha, mas fresco e até ventoso nas zonas altas do Teide). O epíteto específico lasiospermus alude à protecção aveludada que cobre as sementes. Já foi raro, porque o gado o comia regaladamente, mas recuperou com a criação do Parque Nacional do Teide, e é hoje talvez a espécie de Pterocephalus mais abundante nas Canárias.

Pterocephalus lasiospermus Link ex Buch


Finalmente, temos o rosalito de Anaga (Pterocephalus virens). Forma almofadas de uns 30 cm de espessura feitas de folhas coriáceas de cor verde-escuro (virens), inteiras e arredondadas, e que se cobrem de capítulos solitários de flores com haste de tamanho médio. É um endemismo rupícula de Anaga, em Tenerife, e ocorre desde o nível do mar até aos 600 m de altitude.

Pterocephalus virens Webb & Berthel.


É uma espécie rara e protegida, mas continua ameaçada pelo pastoreio de cabras e pelo turismo excessivo nos locais onde se resguarda da aragem fria do norte. Mas o leitor não desista já da viagem: a planta não se incomoda se a visitar com as devidas cautelas.

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