Fentilho de Maiorca
O barranco de Biniaraix, em Maiorca, ascende desde o vale de Sóller e proporciona um íngreme acesso à serra de Tramuntana, a cordilheira que se estende por todo o limite norte da ilha e atinge os 1445 metros de altitude no seu ponto culminante. Nos primeiros 400 metros da subida, e com excepção de alguns pontos de passagem mais estreitos, as encostas que ladeiam o barranco estão talhadas em socalcos ainda mais vertiginosos que os do Douro. Só que, em vez de vinhas, os patamares estão ocupados por olivais; e, em vez do avermelhado do xisto, os muros exibem a brancura do calcário de que a ilha é feita. A olhos portugueses parece uma paisagem híbrida, um cenário duriense feito de materiais arrancados ao maciço calcário estremenho. É bem apropriado que alguma da vida vegetal refugiada nesses muros seja também ela de origem híbrida.
Inicialmente descrito em 1911 pelo francês René Verriet de Litardière (1888–1957) com base em exemplares colhidos nos muros da cidade de Sóller, o Asplenium majoricum foi tido, durante muito anos, como endémico da ilha de Maiorca — ou até endémico do município de Sóller. É que esse feto não frequenta altitudes elevadas e a sua área de distribuição na ilha é bastante restrita. Contudo, sabe-se hoje que o mesmo feto ocorre na Espanha continental, tanto em Valência como no sul da Catalunha, embora se suspeite, pelo estudo de marcadores genéticos, que as duas linhagens da espécie, a peninsular e a maiorquina, tenham surgido de forma independente. De facto, o Asplenium majoricum é um tetraplóide que resultou, por hibridação e duplicação do genoma, do cruzamento de dois fetos diplóides, ambos de apetências calcícolas, o Asplenium fontanum e uma forma ancestral do Asplenium petrarchae. Não é impossível que idêntico cruzamento de espécies, seguido de igual duplicação do genoma, se tenha dado em dois locais distintos: um caso desse tipo foi reportado na Escócia, há 11 anos, com a Erythranthe peregrina (= Mimulus peregrinus), produto da hibridação, ocorrida em pelo menos duas localidades bem afastadas uma da outra, de duas espécies exóticas naturalizadas, uma norte-americana e outra sul-americana.
Com folhas curtas, de 6 a 12 cm de comprimento, o Asplenium majoricum combina o porte miniatural do A. petrarchae com o carácter glabro e o desenho das frondes do A. fontanum. Ter optado pelo tamanho do mais humilde dos seus progenitores valeu-lhe a sobrevivência numa ilha em que as cabras assilvestradas vêm provocando grande destruição da flora espontânea. Encolhido nas fendas dos muros, sem deixar sobressair a ponta de uma folha, não há cabra que lhe ferre o dente. O A. fontanum, com frondes que ultrapassam os 20 cm, pagou cara a imprudência de se mostrar a descoberto: os últimos exemplares conhecidos na ilha foram, há poucos anos, protegidos com redes para não serem devorados por cabras (história completa aqui).
2 comentários :
Mais um post muito interessante!!
Esses muretes, essa flora... Especiais!
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