09/10/2023

Falésia dos cabeçudos



A ilha de La Palma tem o formato de uma pêra alongando-se no sentido norte-sul, delgada a sul e achatada a norte. No extremo sul os montes descem gradualmente para o mar, mas a norte a ilha é rematada por falésias quase a pique, com alturas variando entre os 200 e os 300 metros. A despeito da aparência formidável, as falésias não formam barreira intransponível: aqui e ali, rompem-nas os vales profundos dos barrancos. Cavados por ribeiros que, hoje em dia, só por excepção levam água, tais barrancos permitem, aos caminhantes mais ágeis e intrépidos, o acesso ao mar em alguns raros pontos. Se não lhes for possível chegar mesmo ao pé do mar, hão-de pelo menos conseguir que as ondas os salpiquem. Nestes vales orientados a norte, e apesar dos ribeiros sem água, o recorte acidentado dos barrancos e a incidência menos intensa da luz solar criaram recantos de comparativa frescura. Neles se desenvolveu uma vegetação exuberante, em regra dominada por espécies endémicas. Entre as aldeias de Gallegos e El Tablado, são vários os barrancos verdejantes que à riqueza florística aliam um valor cénico invejável, e não é surpresa que toda esta área costeira tenha sido declarada reserva natural. Entre os arbustos, são as tabaibas (Euphorbia lamarckii e Euphorbia balsamifera) e os cardónes (Euphorbia canariensis) que, na paisagem, monopolizam o olhar. Mas há plantas mais discretas brotando em fendas de rochas ou abrigadas em pequenas bolsas terrosas. Pelo menos uma delas é endémica destas falésias e barrancos: só existe nesta ilha, e só neste lugar.

Cheirolophus sventenii (A. Santos) G. Kunkel subsp. sventenii


A planta em questão, Cheirolophus sventenii subsp. sventenii, não é caso único no seu género. Das 18 espécies ou subespécies de Cheirolophus endémicas das Canárias, só uma (C. teydis, de Tenerife e La Palma) ocorre em mais do que uma ilha; a maioria delas são raras e têm áreas de distribuição exíguas. O relevo abrupto da ilha decerto favoreceu o isolamento reprodutivo, e são nada menos que sete os Cheirolophus endémicos de La Palma. Aquele de que hoje nos ocupamos é, apesar de tudo, dos mais fáceis de encontrar.

Cabezónes é como são chamados os Cheirolophus nas Canárias. Vivendo este na costa de Guelguén e na reserva natural do mesmo nome, foi inevitável baptizarem-no como cabezón de Guelguén. É um arbusto de 80 a 100 cm de altura, com grandes folhas glabras e lustrosas, de margens ligeiramente serradas. Os capítulos são de um branco levemente amarelado, e as brácteas involucrais são rematadas (como é regra no género) por um apêndice laciniado, que nesta subespécie apresenta segmentos muito curtos. Também em La Palma, mas na costa oeste da ilha, ocorre o Cheirolophus sventenii subsp. gracilis, com folhas mais estreitas, pedúnculos mais alongados e lacínias das brácteas distintamente mais compridas (fotos nesta página).

Ainda que o vento tenha dificultado a tarefa do fotógrafo, foi gratificante encontrar em flor logo em Maio, no início da temporada a isso dedicada, uma planta tão bonita e tão escassa — valendo-nos por todos os Cheirolophus que não encontrámos ou, tendo encontrado, não vimos em flor. O cabezón do Teide, abundantíssimo nas altas montanhas de Tenerife, nunca se dignou a mostrar-nos as flores (essas sim amarelas), alegando só poder fazê-lo em datas que não nos convinham.

2 comentários :

ZG disse...

Deve ser uma ilha lindíssima!!

bettips disse...

Não se repetem, com imagens e conhecimentos... mas que direi eu, apenas com as hastes das palavras, ao vento de todos estes anos?
Algo que conheço, algum lugar, aqui sempre tudo tão bem descrito e enquadrado.
Abçs