Orégão de enganar
O mundo tem andado com o pano de fundo bastante esborratado. Sem arte para repintar o planeta, são muitos os que ponderam, opinam, alertam e inquietam os demais sobre o que vai mal, como piorará e já não tem remédio. Por isso, continuemos nós a conversar de flores: as plantas estão habituadas a ser observadas e nós precisamos do sossego delas. Dirão alguns que é um momento impróprio para gastar tempo a nomear folhas e fotografar paisagens — que é essencialmente o que sobra lá fora depois das tempestadas recentes —, e ainda apreciar descaradamente esse privilégio. Têm razão, claro.
Já aqui escrevemos sobre o género Bystropogon, endémico dos arquipélagos da Madeira e das Canárias. Mostrámos então fotos do B. canariensis e mencionámos as duas espécies deste género endémicas da ilha da Madeira, B. maderensis e B. punctatus. São ambos arbustos pequenos, perenes e raros, que vivem em zonas húmidas na orla da floresta laurissilva e têm fortes parecenças entre si, na folhagem, na vilosidade e nas panículas ramificadas de flores pequeninas.
As Canárias, bafejadas que foram com maior diversidade botânica, contam com cinco espécies endémicas e outras tantas subspécies de Bystropogon. O que vos mostramos hoje é um endemismo de La Palma, fotografado em Maio no sul da ilha, na base do vulcão de San Antonio.
Ao longe, parecia um exemplar bem desenvolvido (mais de 1 metro de altura) de orégão com uma nuvem em cima. Já perto, confirmámos que as folhas tinham o aroma inconfundível do orégão, mas algo não batia certo: o orégão não tem as sépalas (folhas modificadas que protegem as flores e os frutos de predadores, da seca e de outros desastres) penugentas, espinhosas e estreladas. Nesse pormenor, a planta que víamos era mais parecida com o tomilho Thymus mastichina. Esta hesitação em posicionar este arbusto numa lista de flora conhecida não foi todavia só nossa. Julgou-se outrora, com base em semelhanças morfológicas, que o género Bystropogon seria parente de outro da América do Sul — um indício interessante de colonização da Macaronésia pelo continente americano. Contudo, estudos genéticos mais recentes, com o objectivo de estabelecer o parentesco e origem deste género, foram inconclusivos: parece que o Bystropogon tem família próxima também na Europa e em montanhas de África. Como todos nós, aliás.
2 comentários :
«Sem arte para repintar o planeta, são muitos os que ponderam, opinam, alertam e inquietam os demais sobre o que vai mal, como piorará e já não tem remédio» - Verdade! Actualmente estão muito em voga os discursos catastrofistas sobre o planeta e a natureza - como se a natureza e o planeta se importassem minimamente... quando o que é absolutamente garantido é que o planeta continuará a girar e as plantas a vegetar!
O privilégio foi ter-vos encontrado e tanto ter aprendido. Apesar da violenta vida dos homens sempre nos fica... a Terra, a terra. Entre muros e lava, a solenidade das pequenas florações.
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