03/05/2025

Paredes com bolinhas



Os botânicos preguiçosos como nós têm em muros e taludes alguns dos seus postos de observação favoritos. São lugares de fácil acesso, e a proximidade da civilização sempre nos traz algum conforto: não estamos perdidos na selva, não há lobos ferozes nem répteis venenosos à espreita, só convém estarmos atentos ao trânsito automóvel, se o houver. E não é apenas uma questão de conveniência: mesmo em bosques bem conservados, as plantas mais amigas da luz refugiam-se em clareiras, e qualquer estrada que atravesse um bosque propicia essa luz suplementar. As plantas acenam-nos à porta, não é preciso embrenharmo-nos no arvoredo para encontrarmos as raridades botânicas. Só que em Portugal isto deixou de ser assim desde que passou a vigorar uma ordem geral de limpeza de taludes. Nem os espaços nominalmente protegidos ficam a salvo do desbaste: as bermas de estrada atacadas de calvície tanto se vêem em Pitões das Júnias, nos confins do Gerês, como em Porto de Mós, na serra dos Candeeiros. Não são poucas as espécies ameaçadas que têm em bermas de estrada o seu refúgio de eleição, seja porque as estradas funcionam como clareiras, seja porque os espaços em volta foram ocupados com cultivos ou construções. Essa limpeza cega, sem qualquer efeito mensurável na prevenção e controlo de incêndios, não só torna o país mais feio e triste como implica reais perdas de biodiversidade.

O remédio é virarmo-nos para os países que não foram atacados pela loucura higienista de querer extirpar toda a vegetação espontânea das bermas de estrada ou da vizinhança das povoações. Felizmente ainda nos sobra um vasto mundo, pois tanto quanto sabemos o único país afectado por essa insanidade é o nosso. Hoje continuamos nas Canárias, e são duas as ilhas que visitamos: Tenerife e La Gomera. As plantas em destaque, ambas do género Monanthes, habitam em muros e taludes rochosos, muitas vezes junto a estradas ou edifícios. Se fossem portuguesas, a sua pequenez talvez as pusesse a salvo das roçadoras — mas nunca se sabe, pois entre nós, graças à desmesurada procura, as técnicas de desbaste da vegetação têm registado grandes progressos, e em último caso há o recurso aos herbicidas.

Monanthes minima (Bolle) Christ subsp. minima


A Monanthes minima (fotos acima) talvez não seja a menor do seu género, mas é sem dúvida minúscula: as rosetas, formadas por folhas peludas e espatuladas, tem 2 a 4 cm de diâmetro, e as flores ficam-se pelos 4 ou 5 mm. O tom por vezes avermelhado das folhas pouco contrasta com a cor do substrato terroso onde a planta costuma vegetar, tornando ainda mais problemática a sua detecção. Vivendo na vertente sul do maciço de Anaga, região bastante seca da ilha de Tenerife, procura refúgio em taludes com bom ensombramento e alguns vestígios de humidade. Lugares com esses requisitos encontram-se em paredões com orientação norte no barranco de Igueste de San Andres, que foi onde fotografámos a planta.

A Monanthes pallens, abaixo ilustrada, foi por nós avistada em La Gomera, embora esteja igualmente assinalada para Tenerife. As rosetas basais e as flores são tão miniaturais quanto as da sua congénere; contudo, as folhas imbricadas dispõem-se num padrão geométrico característico, semelhante ao da M. polyphylla mas com rosetas achatadas em vez de semi-esféricas. A M. pallens não parece incomodar-se com a secura e o calor, tanto assim que a encontrámos nas proximidades do Roque Sombrero, um dos lugares mais áridos de La Gomera.

Monanthes pallens (Webb) Christ


O género Monanthes inclui 14 espécies, das quais só duas não são endémicas das Canárias: M. atlantica, na cordilheira do Atlas em Marrocos, e M. lowei, nas Selvagens. Talvez o desejo de reunificação política desse género botânico explique em parte o apetite espanhol pelo mini-arquipélago português — que, de facto, está mais perto das Canárias do que da Madeira. Em todo o caso, nas Canárias as pelotillas (nome que significa bolinhas e é aplicado sem distinção a todas estas plantas) hão-de continuar firmemente agarradas a paredes e taludes, sem que ninguém se esforce em as erradicar.

1 comentário :

Davi Machado disse...

Que achado este blog!