07/09/2004

Letrinhas e salamaleques

«Regressaremos à Quinta das Virtudes, agora, para acrescentar uma pedra, de um verde variegado e demoradamente lapidada, esta, a sua louvável coroa de história maior. Tratar-se-á de Pedro [Pedro Marques Rodrigues], o qual, pelos meados de Oitocentos, é um desses ganapitos que, com pouco mais de dez anos, distraidamente segue, num arrufo trombudo, por o haverem afastado da faniqueira e do pião, a esteira do arado que, sob a égide paterna, uma junta de bois continua puxando. Com desgosto evidente, porém, de quando em vez, assiste ele ao revolver das ervas tenras, pelas quais, de modo inexplicável, anda nutrindo uma ternura nervosa.(...)

Não se ressentia Pedro, por outro lado, daquela troça recorrente, mas ligeira, a que o submetiam os da Casa, quando citava as designações científicas das variegadas japoneiras, com um atabalhoamento de pronúncia, que suscitava, nos mais sérios, mesmo, incontida hilaridade. (...) Inabalavelmente convicto(...), contestava Pedro, a fim de se escorar, muito seguro, na parábola seguinte, "Havia uma cameleira, por aí, há uns cinco anos, ela por ela, que era muito arisca, e que não queria que olhassem por seu bem, e vejam que, depois que resolvi deitá-la ao desprezo, começou a florir, e a florir muito, em Novembro e em Abril, como que para nos dizer que, sem paparicos, é que estava contente."»

Mário Cláudio, A Quinta das Virtudes (1991)

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