A fruta do Paraíso
«No outro dia eu estava traindo o meu médico com um apfestrudel quando comecei a pensar seriamente na maçã. Na importância da maçã na história do mundo e nos seus significados para a humanidade, nunca muito bem explicados. Dois pontos.
A Bíblia não especifica qual o fruto proibido que Adão e Eva comeram naquele dia fatídico em que, desobedecendo a Deus, perdemos o Paraíso e em troca ganhámos a mortalidade, o sexo e a indústria do vestuário. Pensando bem, a única fruta que era certo que havia no Paraíso era o figo, pois foi com as folhas de figueira que cobriram a nossa protonudez. Só muito mais tarde convencionou-se que, para provocar tanto estrago de uma vez só, a fruta proibida do Paraíso tinha que ser a maçã. Como a maçã não tem propriedades afrodisíacas nem, que se saiba, estimula a inteligência ou o desrespeito à autoridade, conclui-se que sua reputação se deve à sua aparência, ao seu rubor lustroso e à rigidez das suas formas, que de algum modo simbolizam rebeldia e luxúria. A maçã é um triunfo da sugestão sobre a verdade. Existem frutas muito mais lúbricas, como o próprio figo e a escandalosa romã, enquanto a maçã é recomendada para crianças e convalescentes (no erótico Cântico dos Cânticos ela só entra como terapia: "confortai-me com maçãs, pois desfaleço de amor") e mesmo assim a sua fama de provocadora persiste. Também não se sabe ao certo que fruta caiu na cabeça de Newton para que ele descobrisse a gravidade, mas na História ficou que era uma maçã. A maçã parece que está sempre querendo nos dizer alguma coisa.
E, no meu caso pessoal, continua induzindo à descoberta e ao pecado. A fruta não me seduz, mas não resisto a nenhum doce feito com maçã, que é a maçã com ainda mais culpa.»
Luis Fernando Verissimo, Histórias Brasileiras de Verão (1999)
1 comentário :
São milénios de lobby dos produtores de maçãs, mas eu continuo na minha: era o o figo, senhor, era o figo... Embora a maçã seja das minha frutas preferidas. Obrigada pela dica, Manuela!
galinhola
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