Guardador de sombras
«Entre as desesperanças da hora, e à falta de melhores notícias (...), venho informar-lhes que nasceu uma orquídea.
Nasceu, isto é, foi batizada. Seu nome de batismo é o do cronista Rubem Braga. A partir deste ano, há uma orquídea com o nome do Braga, ou, se preferem, o Braga virou orquídea.
Leio no Boletim do Museu de Biologia (...), que o naturalista Augusto Ruschi deu o nome Bragae a uma espécie de planta epífita (...). Physosiphon Bragae Ruschi, n. sp., tem raízes esbranquiçadas, como Braga tem a cabeleira; seu caule primário é recoberto de bainhas agudas, como agudas são as observações que o Braga faz sobre a vida, os homens, as mulheres e as coisas, de uma agudeza que fere só quando é preciso ferir a injustiça.(...)
Enfim, o Braga é uma flor, como se vê, e uma flor rara, que as nossas matas presenteiam à cidade. De resto, ele parece mesmo ter vindo há poucos instantes da mata, com alguma coisa de vegetal e de bicho no aspecto; não é à toa que sabe nomes de plantas e animais, conhece vozes, pios, rastros, costumes da fauna: tudo isso foi seu companheiro numa fase anterior, em que o Braga, em vez de orquídea, era cabiúna, jacarandá, martim-pescador, sabiá (...). Se ele escreve com insistência sobre a conservação da natureza, pedindo, reclamando, protestando, denunciando atentados de toda a sorte contra nossos recursos vegetais e animais, é porque sente, na haste ou no pêlo, a brutalidade dos golpes.
Augusto Ruschi, sábio admirável, percebeu claramente a relação Braga-terra ao dedicar ao capitão a orquídea vermelho-púrpura. Não é todo o mundo que merece virar nome de flor. A maioria merece justamente o contrário. No caso do Braga, se a orquídea souber, deve ficar satisfeita.»
Carlos Drummond de Andrade, Nasce uma orquídea, Jornal do Brasil (1970)
1 comentário :
Como sabe bem ler textos destes! Apetece mais mais e mais. Cada frase é um achado. Saborosíssimo!
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