O mistério das raízes
Que se esconde debaixo dos nossos pés? Um emaranhado de tubos, conexões, sinais de comunicação, água e combustíveis, ribeiras entubadas, galerias de saneamento, parques subterrâneos, ... - tudo atapetado pela lisura do asfalto ou pela dureza do betão. O que vemos à superfície foi construído, o que está enterrado também fomos nós que lá pusemos ou domesticámos. Palavras há que perderam o sentido, por exemplo subsolo: debaixo do solo - mas que solo? O solo é matéria viva e fecunda, e quase tudo à nossa volta é estéril.
O Regulamento Municipal dos Espaços Verdes do Porto concede a cada árvore um metro cúbico de solo - ou, como lhe chamam, terra vegetal. As suas raízes hão-de acomodar-se a esse cubo de terreno, avaramente medido, e dele extrair o sustento possível; uma caixa de betão as impedirá de extravasarem a bitola regulamentar. E isto quando não vem obra esburacar tudo à volta: aí, para passar o tubo, ou simplesmente por preguiça, inconsciência ou maldade, raiz que se atravesse no caminho é raiz cortada; à arvore que cresceu enfezada na sua cela de betão ainda têm a crueldade de amputar os orgãos vitais. Pois aquele metro cúbico de terra afinal não era dela, estava só emprestado - e, como diz o nosso vereador do betão, «uma obra não vai deixar de ser erguida [ou enterrada, no caso] por causa de meia dúzia de árvores».
Exemplo à vista de todos desse trato assassino com as árvores são as obras que decorrem no Largo Abel Salazar, no Porto (à frente do ICBAS e do Hospital de Santo António). Já não bastava, aos pobres carvalhos (Quercus robur) que a custo sobrevivem no local, sufocarem-nos com entulho meses a fio, espetarem-lhes pregos para pendurar casacos, esfolarem-lhes os troncos com manobras descuidadas: agora também lhes cortaram as raízes.
Não há mistérios debaixo do chão que pisamos na cidade: está tudo medido e confinado, não há nada que possa vir à superfície para nos surpreender. (As coisas perigosas que enterrámos e por vezes se descontrolam não entram propriamente na categoria das surpresas.) Mas onde há solo vivo e sem obstáculos o inesperado pode acontecer: há coisas vivas que rastejam e perfuram secretamente, emergindo em sítios improváveis. Como estes bichos que se vêem na foto, e que são... os pneumatóforos de um Taxodium distichum, assunto que já aqui explicámos mas não pudemos então ilustrar. Resta informar que a foto foi tirada no Parque das Termas da Curia e que as ditas protuberâncias se encontram a vários metros dos troncos das árvores a que pertencem, sendo improvável que um leigo relacione as duas coisas.
O que se esconde no verdadeiro subsolo é quase inimaginável.
1 comentário :
o mal está todo em não pensar-se nas árvores como seres que vivem. e, por conseguinte, com direito à vida. :|
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