05/11/2005

O jardim proibido


Foto: pva 0511 - Jardim Botânico de Coimbra: alameda de tílias com Araucaria bidwillii ao fundo

Em Agosto de 2002 escrevi ao Público a carta de que transcrevo em seguida o início:

«De há uns anos para cá, sempre que vou a Coimbra costumo visitar o seu jardim botânico. Não sei por que ainda o faço: na verdade nunca o vi, porque não me deixaram. Ao contrário do que pode parecer, o jardim botânico está (e, tanto quanto me lembro, sempre esteve) fechado ao público. Há um horário de abertura, até generoso, fixado à entrada, e os portões costumam estar abertos; mas a parte acessível do jardim não deve ultrapassar um sexto da área total. Além do quadrado central e da alameda que percorre a zona nascente do jardim, tudo o resto nos está vedado, incluindo os canteiros que ladeiam a alameda e a mata que ocupa a maior extensão do jardim (e que, presumivelmente, alberga o que de mais interessante nele se poderia visitar). Não lhe bastando ser exígua, a parte aberta ao público ainda peca por falta de informação: são poucos os espécimes identificados, e algumas das raras placas identificativas estão gastas a ponto de serem ilegíveis.»

A carta motivou uma resposta zangada do então director do jardim, confirmando no essencial as minhas observações mas atribuindo culpas à falta de pessoal e ao magro orçamento, e concluindo que «certamente não será preciso acrescentar mais nada para que qualquer visitante sensato compreenda e aceite o presente condicionamento». O problema, claro está, é que o visitante ocasional depara com um jardim onde quase tudo lhe está vedado - e, a menos que tenha dons divinatórios, não pode aceitar como boas as razões que ninguém lhe explicou. E o outro visitante, o que conhece a história do jardim e sabe que o presente condicionamento dura há décadas, não será assim tão magnânimo para compreender e aceitar.

Mais de três anos passados sobre a carta, que mudou no Botânico de Coimbra? Muito pouco, apesar de haver nova directora. A maioria das plantas ainda não está etiquetada. O visitante desprevenido ainda esbarra, estupefacto, com os portões trancados; e, se vier ao fim-de-semana, nem às estufas tem acesso. (Haverá razões ponderosas, mesmo que dúbias, para fechar a mata, mas nunca entendi por que hão-de estar inacessíveis todos os canteiros da parte nascente, incluindo o recanto tropical.) Houve promessas de, em colaboração com a Câmara Municipal, franquear ao público o acesso à mata, mas o tempo vai passando e nada acontece.

Tudo isto é uma tristeza. O Jardim Botânico de Coimbra é um tesouro de que muito poucos usufruem - um lugar onde, em vez de serem exibidas aos visitantes, as colecções de plantas se fecham avaramente como em cofre-forte.

É justo referir que há ao longo do ano visitas guiadas à mata - mas, realizando-se só aos dias úteis, exigindo marcação prévia por ofício e um mínimo de 25 participantes, destinam-se exlusivamente às escolas. Para outros públicos, decorrem este ano, em Outubro e Novembro, os passeios de Outono na mata do Botânico. Se morar em Coimbra, puder tirar um dia de folga no emprego, e conseguir juntar um grupo de 10 amigos nas mesmas circunstâncias, não deixe fugir a oportunidade!

7 comentários :

eduardo b. disse...

É, de facto, um crime só possível num país onde a noção de qualidade de vida está mais associada à marca do telemóvel do que à possibilidade de desfrutar da natureza e usufruir de espaços públicos de qualidade. Para tornar a situação ainda mias ridícula, a parte do Jardim Botânico que está fechada teria, caso fosse aberta ao público, uma utilidade prática inestimável para as muitas pessoas que se deslocam diariamente entre o rio Mondego na zona do Parque Manuel Braga e as zonas mais altas da cidade e que teriam dias mais agradáveis se pudessem fazer esse percurso atravessando o Jardim Botânico, evitando a floresta de tubos de escape em que o resto da cidade (como outras) se transforma nas horas de ponta.

Anónimo disse...

Nao percebo. Nao percebo, porque e' que as pessoas desperdicam as oportunidades que lhes surgem em beneficio da defesa do ego, do indefensavel e do medo.

Por exemplo, o entao director do Jardim Botanico poderia, e bem, ter aproveitado a deixa do Paulo Araujo para reforcar a existencia de um problema e chamar a atencao do publico e dos decisores politicos para a necessidade resolver esse mesmo problema. O problema da falta de recursos humanos no Jardim Botanico. Em vez de mostrar vistas curtas e indignacao injustificada, o entao director do JBC poderia ter procurado solucoes para o problema. Se em vez de ter enfiado a cabeca na areia e cacarejado uma defesa inutil e improdutiva tivesse aceite e aproveitado a critica justa para agir. A culpa nao era dele se nao havia recursos humanos suficientes. Mas a culpa tornou-se tb dele, quando nao aproveitou as oportunidades para resolver o problema. Mas para ele, receber uma carta aberta a alertar para um problema real, constitui um problema maior do que a falta de recursos humanos. Em vez de aceitar uma critica justa e tentar resolver as coisas decidiu saltar para o poleiro. Perdemos todos. Porque e' que nos portugueses temos esta mania de nos ofender a toa sem fazer um esforco para compreender a razao da critica? Porque esta falta de capacidade de agarrar oportunidades, esta falta de espirito critico, esta falta de auto-analise e de auto-conhecimento? Porque, pergunto-me, nao percebo. Sinceramente nao percebo.

Se as pessoas nao conhecem e nao podem usufruir de uma mata, estrategicamente localizada mesmo "a mao" (e ao pe) dos cidadaos de uma das maiores cidades do pais, dizia eu, se as pessoas nao conhecem o seu patrimonio natural, como podem defende-lo? E' triste, e' mesmo muito triste que a vaidade de um prejudique o bem-estar de milhares.

Para terminar este rol de perguntas, que temo permanecerao sem resposta, sugiro-vos uma leitura de fim-de-semana para vos agucar ainda mais a vontade de "escancarar" os portoes do "jardim proibido". Vale a pena clicar aqui e ficar encantado com a explicacao cientifica daquilo que qualquer amante da natureza sabe e sempre soube. Passo a palavra a Joan Maloof:

http://www.terrain.org/articles/14/maloof.htm

Bom fim-de-semana e bons passeios nas matas/jardins/florestas portuguesas. Aproveite quem pode e nao esta encarcerado numa sala sem janelas a trabalhar para as deadlines...

Anónimo disse...

é realmente lamentável o que se passa, além disso as actividades propostas que alude são de uma qualidade muito baixa. Seria importante que alargasse essa indignação novamente ao Público em geral!

Anónimo disse...

é caso para perguntar: o que se passa com o Jardim Botânico de Coimbra? Alguém esclarece?

Anónimo disse...

Foi por puro acaso que cheguei a este blog e, mais concretamente, a este post e aos seus comentários. Visto que tive, no passado recente, alguma responsabilidade na gestão do Jardim Botânico de Coimbra, sinto ser minha obrigação responder às opiniões expressas.
1-Neste momento existem 7 jardineiros no Jardim. Há cerca de 40 anos havia para cima de 100! Opção tomada (que apoio): investir os recursos humanos apenas na parte que está aberta ao público e deixar o resto (praticamente) ao sabor da natureza.
2-Contactos com a Câmara e outras entidades para suprir a falta de jardineiros só têm rsultado em palavras de intenção mas nada de actos concretos. Espero muito sinceramente que, se o projecto LINK for avante, alguém tenha de descalçar a bota... Não haverá outro remédio!
3-O Jardim Botânico pertence, em última instância, à Universidade de Coimbra, embora toda a gestão seja assegurada por funcionários e docentes do Departamento de Botânica. Embora o Jardim tenha um quadro próprio de pessoal, não tem um orçamento próprio! Isto significa que o dinheiro para o Jardim vem da verba atribuída ao Departamento que por sua vez é distribuída pela FCTUC em função de um critério que tem a ver, principalmente, com o número de alunos! Posso assegurar que no ano de 2005 quase 50% da verba atribuída ao Departamento de Botânica foi consumida pelo Jardim (água de rega, gás para aquecer as estufas, etc...)! Com a mudança na presidência da FCTUC e a sensibilização do Reitor, talvez o Jardim passe a ter um orçamento próprio que permita a todos, pelo menos, aumentar a agrabilidade deste magnífico espaço.
4-Nunca recusei a entrada na mata a alguém que revele interesse genuíno! Muito pelo contrário; gosto de dar a conhecer sempre que tenho disponibilidade de tempo, embora a taxonomia não seja a minha área... Por outras palavras, se quiserem visitar a mata do Jardim, mesmo a título individual, sejam muito bem-vindos!

Vera F. disse...

Caros senhores,
Muito boa tarde... também partilho da mesma tristeza... visitei o jardim pela 1.ª vez no ano de 2007, na altura das mudanças outonais... Coimbra estava um encanto, já no jardim, também encantador, várias vezes nos esbarrámos com as "vedações" de acesso interdito...

Infelizmente... o JB de Coimbra não é o único com problemas financeiros e de recursos humanos... (Fui guia no JB da Ajuda o primeiro JB de Portugal e os problelmas desta natureza são constantes e as dificuldades imensas; o Jardim Tropical em Belém depara-se com problemas de recursos humanos enormes e mesmo assim, tem vindo a melhorar...)

Na minha opinião, os directores fazem o melhor que podem, mas dinheiro nenhum do mundo paga as complicações de gestão que enfrentam, pelo que já percebi... Não se tratam de cargos cobiçados mas sim de "amor à camisola", e infelizmente as reclamações nem sempre são bem vistas... é necessário ter muito bom senso de ambas as partes!

Gostaria de saber se irão realizar alguma visita ao JB Coimbra nos próximos tempos e se tal acontecesse, gostaria muito de participar...

Gosto destas coisas e acabo de ficar "viciada" no vosso blog que visito com frequência e que, para mim, está dotado duma qualidade extraordinária... os meus parabéns e por favor, não parem de publicar...tenho aprendido imenso!

Vera Ferreira

P.S. O meu contacto é: vera.de.o@gmail.com; e se forem a Coimbra avisem por favor.

Paulo Araújo disse...

Quase todos os nossos jardins botânicos são, no seu abandono, o reflexo de um país pobre (em recursos mas também em gosto) que prefere investir em obras espaventosas em vez manter dignamente o que tem de mais valioso. E a isto junta-se a fraca vocação dos actuais departamentos de botânica das universidades para gerir tais espaços. Quanto a voltarmos ao Jardim Botânico de Coimbra, ele ainda ficou mais inacessível para quem, como nós, mora longe desde que passou a fechar ao fim-de-semana.