21/09/2006

Vozes de Outono


Pintura: Ode to the Sound of Autumn -Kim Hong-do (1745 - 1806?) © Ho-Am Art Museum

«Eu, Ao-Iéong-Tze, estava de noite lendo, quando se ouviu aquele rumor, das bandas do Sudoeste. Ao ouvi-lo reflecti, em um sobressalto:
-É singular! A princípio há o tamborilar da chuva, -que depois se transforma na zoada do vento, para logo, em um vertiginoso crescendo, dar lugar a estes estampidos, como de grandes vagas apavorando a noite. O vento e a chuva, precipitando-se em turbilhões, encarniçam-se contra o que se lhes defronta; é uma conflagração retumbante de todos os metais ressoando. Tais os guerreiros, avançando para o combate, ferram os dentes na mordaça e aceleram a carreira, não se lhes ouvindo gritos de incitamento ou de medo, mas só o estrupido dos peões e dos cavalos em marcha...
Pergunto ao meu moço discípulo.
- Aqueles sons o que são? Vai fora e informa-te.

Responde-me, voltando:
- No céu brilham puras as estrelas e a Lua; a Via Láctea esplende. Para todos os lados não há voz humana. São vozes do arvoredo...
E eu então:
- Ai, ai! Oh dor! Todas estas vozes outonais de onde será que procedem? »

Camilo Pessanha -tradução do poema em prosa de Ouyang Xiu (1007-1072) publicada pela 1ª vez em Janeiro de 1918 na revista Atlântida (Lisboa)
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6 comentários :

Anónimo disse...

Bom dia.
Parabéns uma vez mais pela sensibilidade e creia que admiro imenso a dedicação de que dá mostras.
Um abraço

Anónimo disse...

obg pela gentileza dos seus comentarios;-) Aproveito para perguntar se sempre conseguiu fotos da floração da Corypha umbraculífera?
Abraço
Manuela

Aldina Duarte disse...

Que beleza! Nada como a voz das árvores para nos redimensionar-mos sabiamente... obrigada pela extrema beleza e sensibilidade desta magnífica escolha!

Até sempre!

a d´almeida nunes disse...

O ciclo eterno - estava a escrever etéreo - da Vida, da Natureza feita Deus.
Uma maravilha (da Natureza pela mão do Homem...) este texto, belíssimo e apropriadamente a propósito do novo ciclo do ano.
Enquanto houver alguém que resista contra a mercantilização da Natureza, esta continuará a ser O símbolo e O sentido da VIDA.
antonio (faia)

Anónimo disse...

que?

Anónimo disse...

.. Que encanto !