Jardim Soares dos Reis: destruição consumada
(antes)
Com a inauguração há poucos meses do Corte Inglês na avenida da República, que se juntou ao Arrábida Shopping, Gaia Shopping, Carrefour e Aki, Vila Nova de Gaia deve ter assegurado, por larga margem, o título de campeã nacional de shoppings e monstros aparentados. Mas tal galardão não basta ao ambicioso munícipio, que persegue outro título de modernidade com incansável denodo: o do concelho do país com maior número de zonas urbanas ou residenciais dilaceradas por vias rápidas. Um peão desprevenido que deambule por alguma velha rua de Santa Marinha ou de Mafamude vê-se de repente, sem saber como foi lá parar, empoleirado num viaduto sobre um trânsito atroador ou encurralado por uma rotunda intransponível.
Sem se poderem considerar aprazíveis (poucas zonas urbanas de Gaia o são), as ruas confluentes com o Jardim Soares dos Reis compunham um quadro urbano aceitável, misturando habitação, escolas e algum pequeno comércio. Em poucos anos tudo mudou: a gigantesca torre na rua Visconde das Devesas onde funciona um hotel (e cuja atribulada construção se arrastou por mais de uma década) violentou toda a escala dos edifícios envolventes; e as vias rápidas, que com o seu trabalho de toupeira iam minando o lugar das Devesas, atacaram o jardim, pulmão e oásis de toda a zona.
Sabia-se desde Fevereiro passado, como aqui anunciámos, que as obras planeadas - construção de um túnel e de estacionamento subterrâneo - iriam afectar consideravelmente o jardim. O que não adivinhávamos é que a destruição atingisse tal grau, com a metade norte do jardim, já de si pequeno, engolida por obras ou cortada para desvio do trânsito - e isto enquanto uma zona de estacionamento contígua permanece intacta. Salgueiros, carvalhos, choupos, camélias e numerosos outros arbustos desapareceram sem dó e sem medida: aquele que era o único espaço de lazer de muitos moradores foi selvaticamente amputado.
Ao desbaratar sem compunção um dos dois escassos jardins públicos do seu centro urbano, Gaia mostrou em definitivo que não tem categoria nem vocação para ser cidade. Os seus parques verdes - poucos e pequenos para um concelho com 300.000 habitantes e área quatro vezes superior à do Porto - não substituem os lugares de convívio à porta de casa que são os jardins urbanos. É com gente a pé, e não ao volante de um automóvel, que se cose o tecido social e se promove a apropriação pública dos espaços; de outro modo, em vez de cidades, o que temos são dormitórios.
(depois)
6 comentários :
esta notícia põe-me doente...
Tudo isto dá que pensar...
E à frente dessa Câmara está um indivíduo que é médico, não é?!...
Tem dupla responsabilidade em zelar pelo bem-estar das pessoas.
Cumprimentos.
É um verdadeiro terror, não tenho palavras. É isto qualidade de vida?
Abç
Mas enquanto as pessoas preferirem "bons acessos" a bons jardins isto vai continuar a acontecer. E os construtores, bancos e agentes imobiliários agradecem e apoiam os autarcas que permitam o continuar da situação. Se o valor da propriedade baixasse consoante a qualidade do ar e quantidade de arvores as coisas mudavam...Guto
Que triste!
Pena não terem conseguido se mobilizar para impedir tamanha destruição...
As pessoas só preferem bons acessos a bons jardins até serem convencidas do contrário! As pessoas educam-se; pena é que muitos autarcas simplesmente não sabem melhor, isso e apenas pensam a curto prazo. Como quase arquitecta sei que planificar cidades é dificil: há sempre qualquer problema que não fica solucionado imediatamente mas isso não impede de arranjar uma boa solução para a maioria dos problemas... Mas ainda há tanta gentinha a pensar que em vez de um jardim é espaço desperdiçado...
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