Que árvores são aquelas que fazem sombra no chão?
Tilia x vulgaris Hayne (tília-europeia) - Waterlow Park, Highgate, Londres
Não eram árvores, nem sei por que me lembrei delas, talvez fosse da hora. Ou da sombra, que tristes são as árvores sem sombra. Também não costumo
(não frequento áfricas, brasis, orientes)
pedir a ninguém que me diga que árvores são aquelas, bem as conheço e elas a mim. Mas não eram árvores, vamos a ver se agora conto direito. Cavalos que dão sombra colavam-se às paredes em cartazes ali aos semáforos do Campo Alegre, por certo anunciavam algum circo tão longe ainda do Natal. Achei estranha a sombra e os cavalos no mar, os cavalos-marinhos
(Hippocampus sp.)
se dão sombra ninguém a vê, os outros cavalos
(Equus ferus caballus)
não andam pelo mar a menos que voem e sejam por isso pégasos de outra estirpe, e o circo é nocturno, quando tudo é sombra ou tudo é luz artificial. Este circo que não verei
(agora também já se foi embora)
com cavalos de sombra fez-me lembrar outros circos em descampados que já não existem, e o cheiro a carne podre que sobrava de alimentar animais enjaulados. Circos que também não vi, que não sei se ainda montam a tenda em baldios de outros subúrbios, lembro-me é de ter visto uma ou duas vezes o Cardinali no Coliseu do Porto, sempre era melhor
(ou nós assim supúnhamos)
do que o circo da nossa aldeia que nem aldeia era. Havia os trapezistas e os palhaços esbofeteando-se e os leões tristes, mas do que me lembro melhor é do homem de peito de aço, um gigante careca de bigodes à Fu Manchu, que sem cambalear aparava as balas do canhão mas
(isto já sou eu a tecer romance de cordel)
todo se esboroava sob o olhar doce de Kátia, a ginasta voadora.
Tudo isto recordei ou imaginei por causa do muro do Campo Alegre que funciona como cartaz de espectáculos, diariamente renovado com camada em cima de camada de papéis pintados formato A não sei quantos. Fico a saber dos teatros e dos concertos, acompanho a carreira do Tony e do Micael quando fazem sair discos novos, e também a dos Irmãos Verdades
(com os Verdades me esganas, mas é trocadilho fácil e na verdade nunca os ouvi)
e de quem mais quiser cantar em público, tenha ou não garganta ou talento para isso. Nunca vou ver nem ouvir nada, não compro os discos, mas fica-me o ruído visual como depósito de ninharias que depois escorrem dos dedos para o teclado. Imagens postiças, em terceira mão, de vidas improváveis, como se fossem sombras ligeiras de cavalos alados sobre o mar.
2 comentários :
Gostei tanto
mas tanto
do fragor do pensamento
que desperta os cavalos
nas brumas da memória marinha
marejada de mágoa.
(somos um país de marinheiros e descobridores - de talentos também, para cantar e alegrar almas pedintes)
Abç
Que belas imagens, Paulo! Por essas e por outras seu blog é um oásis.
Como gosto de vir aqui!
Enviar um comentário