Baboso e voraz
Drosophyllum lusitanicum (L.) Link
A arte da era vitoriana prezava o horror romanceado, criando um cenário de arquitectura gótica, decadente como o fim do século XIX, onde o fascínio pelo terror se nutriu até de plantas carnívoras, criaturas que possuem movimento e matam animais — que, na imaginação adubada pela literatura de Stevenson, Wilde, Dickens ou Poe, podem ser inocentes criancinhas. O interesse de Charles Darwin por esta família de plantas é consentâneo com este deslumbramento pelo bizarro que o levou a investigar os mecanismos de atracção, captura e digestão de presas, em particular da erva-pinheira-orvalhada.
Desta espécie, Darwin recebeu, em 1869, exemplares enviados por um amador de botânica portuense, William Tait, e colhidos na serra de Santa Justa. Darwin teria hoje — como nós, apesar do GPS — dificuldade em a encontrar pois, em Valongo, restam poucas populações, todas isoladas e com escasso número de indivíduos. Além da invasão de eucaliptos e acácias, que roubam sol e modificam o carácter do solo, e do uso distinto que a população local faz da terra, persiste a circulação endemoninhada de jovens motorizados, levantando nuvens sufocantes de pó, que atropelam ou asfixiam as plantas à beira dos estradões — justamente os locais abertos e ensolarados que ali sobram e onde a Drosophyllum poderia germinar. Em Portugal há outras paragens, a sul do Mondego e quase sempre perto da costa (a excepção é a serra de São Mamede, perto de Portalegre), onde esta carnívora é mais abundante, e talvez por isso ela não conste, como deveria, de nenhuma lista de plantas ameaçadas nem de nenhum programa de conservação da biodiversidade. Mas o número de exemplares registados no país é suficientemente baixo para que a D. lusitanicum seja considerada rara e em perigo de extinção na terra lusa.
Esta planta é tradicionalmente incluída na família da Drosera e, de facto, o mais notório em ambas é a cobertura das folhas por glândulas pedunculadas com gotas de líquido doce, brilhante e avermelhado. São estruturas cuja função essencial é atrair os insectos, agarrá-los e enviar ao resto da planta a boa notícia. Embora também possam segregar enzimas digestivas, na Drosophyllum esse papel é atribuído prioritariamente a outras glândulas, sésseis e verdes, que salpicam a superfície das folhas. Para segurança da planta e economia de meios, estas glândulas com formato de crateras só trabalham se comandadas pelas outras-tipo-cogumelo; e, depois de feita a digestão do bicho, cabe-lhes absorver as componentes nutritivas relevantes.
Contudo, recentemente alguns botânicos repararam em outras diferenças, na morfologia e no comportamento, entre os géneros Drosera e Drosophyllum. As folhas da Drosophyllum são perfumadas (como o mel), lineares, circinadas e — ao contrário das da Drosera que se fecham para os tentáculos matarem e digerirem rapidamente o animal — não se movem quando a presa lhes toca. Ironicamente, o movimento continua a pertencer à presa: depois de receber as primeiras gotas de cola, o insecto ainda não imobilizado, mas aflito e mais pesado, desce ao longo da folha, levando pelo caminho novas camadas de visco, podendo progredir até à base da planta, onde várias folhas, agrupadas em densa roseta, participam do banquete. Além disso, é a única planta carnívora que exige lugares secos, em pinhais ou rochedos. Resultado: os cientistas fecharam-se no laboratório e descobriram que, geneticamente, a Drosophyllum não é, como se julgava, parente próxima da Drosera. Propõem agora que o slobbering pine seja a única espécie do único género da família Drosophyllaceae.
O dewy pine forma um caule lenhoso e, com a idade, pode atingir ou ultrapassar os 60 cm de altura, mas os onze exemplares que vimos não iriam além dos 20 ou 30 cm (sem contar com as hastes florais). Não chegámos a tempo de fotografar a flor do mal; mas sabemos que desabrocha entre Março e Julho e que é amarela, com pétalas de cerca de 3 cm de diâmetro e cálice onde também há glândulas assassinas. As cápsulas estavam cheias de sementes escuras, com formato de pêra e casca rugosa que, esperemos, serão espalhadas pelo vento e não roubadas para venda na internet.
3 comentários :
Boa noite, será que é possivel indicar-me a localização exacta da planta insetivora na serra de s. mamede?
José Macedo
Não conhecemos a serra de São Mamede, mas um dos percursos pedestres sinalizados do Parque Natural da Serra de São Mamede, o de Galegos, parece passar justamente por uma população de Drosophyllum lusitanicum. Mais informações aqui e aqui (este inclui o mapa do percurso).
Obrigado pela colaboração.
josé Macedo
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