26/08/2010

Pinga-morte



Pinguicula lusitanica L.

aqui apareceram plantas que aprisionam polinizadores para assegurar a sua colaboração, mas nenhuma delas os mata ou, se isso acontece por acidente, possui mecanismo que lhe permita beneficiar dos nutrientes das vítimas. Não são portanto insectívoras. Outras há que sabem matar predadores, ou que só consomem animais depois de estes terem sido processados por bactérias. Também estas não encaixam na classe das plantas carnívoras: essas têm de possuir meios para a captura, morte e consumo das presas, desenvolvendo-se à custa desse alimento. É certo que nem sempre a natureza se conforma ao espartilho da ciência, mas seria imprudente alterar sem motivo as definições que a erudição nos propõe.

Todas as plantas carnívoras conhecidas usam as folhas para caçar, mas diferem muito no tipo de armadilha. O estratagema mais simples parece ser o do género Pinguicula (o termo latino pinguis significa gorduroso, pegajoso). As folhas são como fitas com adesivo onde animais pequenos, sobretudo mosquitos atraídos pelo (para eles) irresistível aroma pestilento a fungo, se colam sem apelo. A superfície foliar tem glândulas que segregam gotas de um visco brilhante - o orvalho de que falámos há dias - e que são pedunculadas, embora sem o alcance dos tentáculos da Drosera, para impedir que a folha abafe com a mucilagem enquanto espera pela presa. Ao lado destas, notam-se outras glândulas sésseis (como crateras lunares vistas da Terra) que se mantêm secas até que um candidato a jantar toque na folha; nessa altura, largam um líquido rico em enzimas e ácidos digestivos que essencialmente afoga o animal e permite à folha digeri-lo externamente, assimilando apenas as componentes que lhe interessam.

Percebe-se agora a vantagem de as folhas da Pinguicula terem as margens reviradas para dentro, como uma taça de onde o conteúdo não se derrama. Em algumas espécies, os bordos podem até mover-se lentamente para formar um tubo em que todo o conteúdo fica de molho, e garantindo que toda a folha participa na digestão. Naturalmente, neste processo, as folhas desgastam-se, mas a planta substitui regularmente as que se estragam.

Para que os polinizadores não sejam vítimas deste ardil, a Pinguicula cria hastes altas de flores com cores vistosas, cálice brilhante - um candeeiro sempre aceso - e um esporão conspícuo cheio de néctar perfumado.

Há cerca de cem espécies de vivazes do género Pinguicula, situando-se a maior diversidade no sul do México. Em Portugal há registo de duas, a P. lusitanica e a P. vulgaris L. A primeira prefere solos húmidos em regiões costeiras e quentes do oeste europeu, Mediterrâneo e noroeste de África e perde a roseta basal no período de dormência. A flor tem 5 a 9 mm de comprimento e possui, na garganta, uma aba que dificulta a auto-polinização.

[Foi tarefa morosa localizar a planta porque, ao contrário do que talvez as fotos insinuem, ela é muito pequenina; além disso, quase todos os pés tinham a roseta de folhas escondida por musgo ou folhedo. Mas depois de detectarmos a primeira percebemos que era mais fácil avistar as flores, e encontrámos muitas mais no mesmo local.]

A Pinguicula vulgaris L., que deveria, pelo nome, ser comum, gosta de escorrências em rochas e dos invernos frios da América do Norte, Europa e Ásia. Aos portugueses, exímios na destruição da natureza, resta uma única população na Serra do Gerês (cujo paradeiro a equipa do Dias com Árvores ainda desconhece).

2 comentários :

ptg disse...

Aos autores do artigo sobre a Pinguicula: no Gerês e montanhas em redor há várias populações desta planta. Certo que pequenas e discretas, mas ainda vão ocorrendo, regra geral associadas a pequenas turfeiras

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário. Na verdade, as plantas que ilustram o texto até foram fotografadas no PNPG, e desde então encontrámos por lá mais umas três ou quatro populações de Pinguicula lusitanica. O que desconhecíamos, na altura em que a Maria escreveu o texto, era (como ela refere no último parágrafo) o paradeiro da Pinguicula vulgaris, que também ocorre no PNPG. Desde então já a encontrámos (veja aqui) - e, tanto quanto sabemos, em todo o país ela existe unicamente nesse local.