30/08/2010

Caldo de lentilhas

Callitriche stagnalis Scop. — Mindelo, Vila do Conde


As plantas que ocorrem em muitos países mas que, em cada um deles, ocupam apenas alguns raros nichos são causa de perplexidade. Pensemos por exemplo em plantas aquáticas como esta lentilha-de-água (Callitriche stagnalis): existe em toda a Europa, mas em Portugal a sua presença é escassa e pontual. Um ribeiro aqui, um lago acolá: de facto ela não surge na maioria dos locais onde poderia ter-se instalado. (Muito mais abundantes são as plantas do género Lemna, também chamadas lentilhas-de-água, que se distinguem da Callitriche por serem flutuantes e desprovidas de caule.) Como aparecem estas populações em lugares tão distantes uns dos outros? Dá vontade de imaginar que o grande dilúvio afinal não é um mito, e que houve um tempo em que as águas cobriam os continentes, salvando-se apenas os cumes mais altos. Quando o nível das águas desceu e Noé pôde finalmente pisar terra firme, as plantas de vocação aquática teriam ficado confinadas a uns poucos lagos e rios. A ideia é irresistível mas disparatada, até porque uma planta como a Callitriche stagnalis, precisando de se enraizar, não pode viver em águas profundas. Não é absurdo, porém, pensar que a acção humana, ao destruir muitos habitats propícios, terá levado a essa fragmentação das populações.

A Callitriche stagnalis, que prefere águas paradas ou de curso lento, é formada por caules esguios, de 10 a 100 cm de comprimento. À tona da água ficam só as pequeninas rosetas de folhas ovais. Embora sejam de difícil observação, por serem minúsculas e se esconderem na base das folhas, a planta também dá flores, ao que consta verdes e sem pétalas. Quando as águas baixam no Verão, é possível encontrar a planta nas margens lamacentas de ribeiros e charcos.

Para compensar o seu retrocesso na Europa (pelo menos em Portugal), a Callitriche stagnalis emigrou para os EUA, onde se deu tão bem que mereceu o estatuto de planta daninha. Haveria ainda a comentar o absurdo de a terem colocado na família Plantaginaceae (mais uma prova do desvario que aflige a ciência botânica), mas isso (recorrendo a uma expressão popular bem a propósito) seria chover no molhado.

2 comentários :

Carlos Filipe Sousa disse...

Queria deixar aqui o meu obrigado pelas últimas publicações que têm sido feitas desde o retomar das férias, que se juntam ao maravilhoso manancial de informação que este blog arquiva.
Não tendo formação na área, acho este blog delicioso na forma como divulga o conhecimento de espécimes que por vezes temos à nossa porta.
Tenho visto nascer em mim uma curiosidade na natureza que nos circunda, mesmo no quotidiano da vida urbana.
O meu obrigado!

Paulo Araújo disse...

Nós é que agradecemos tão simpático comentário. É muito bom saber que há quem goste de ler o que aqui publicamos.