29/03/2011

Nas nuvens

Narcissus asturiensis (Jord.) Pugsley
[= Narcissus minor subsp. asturiensis (Jord.) Barra & G. López]


It was odd of Wordsworth to hazard the phrase "lonely as a cloud". If only our British clouds were lonelier. The Telegraph (2001)

As nuvens são catalogadas, como as plantas, em famílias, géneros e espécies, seguindo-se a proposta de Luke Howard (1772-1864), um meteorologista amador inglês que também se interessou por botânica e inspirou poetas e pintores. Para ele, as nuvens seriam o rosto da atmosfera que, como o nosso, denunciaria rubores, amuos e culpas; aos meteorologistas caberia ler e interpretar esses sinais para prever as mudanças no tempo. São elas estruturas pouco estáveis, de existência transitória de que apenas detectamos a forma e a altitude, feitas de poeira e gotinhas de água ou gelo miraculosamente suspensas no ar arrefecido. A nomenclatura adoptada por Howard fez jus à sua relevância para o nosso clima, e por isso foi tão bem aceite: escolheu designações latinas como cirrus, cumulus, stratus e nimbus — distinguindo assim as nuvens transparentes como véus das carregadas de chuva. Depois de etiquetar as de atributos híbridos, o mundo indefinido e impalpável que preenche o céu estava nomeado.

Na serra do Açor há picos frios de afloramentos quartzíticos onde as nuvens baixas se espetam, mantendo ali uma bruma que não deixa adivinhar a presença, a dez metros de distância, da base gigantesca de uma eólica. A nossa última visita, em dia de garoa, decorreu toda dentro de uma nuvem. No centro dela, em ponto-de-orvalho, o vapor de água colou-se-nos à roupa sem chover. Vencida a encosta que não se via, mas se sentia subir, chegámos à base de um pedregulho a uns 1200 m de altitude, e lá estava a população de narcisos de flores solitárias a vergar as hastes, numa vénia ao naturalista exausto.

Com flores entre Fevereiro e Abril, este narciso com tépalas em franja de uns 2 cm de comprimento aprecia clareiras de matos de montanha e fendas de rocha do noroeste da Península, a altitudes superiores a 900 metros. As populações galegas e portuguesas parecem apresentar flores com tubos mais curtos e, pelo contrário, pedicelos mais longos, ocorrendo combinações destas características na região intermédia até às Astúrias.

Trata-se de um endemismo ibérico de distribuição restrita. Na Galiza, foi descrito em 1909 por Baltasar Merino (que o chamou Narcissus lagoi em homenagem a Manuel Lago, arcebispo de Lugo que o encontrou nas margens do rio Minho; a designação aceite desde 1984 é N. minor subesp. asturiensis) e consta do Catálogo Galego de Especies Ameazadas. Em Portugal, estava citado para as serras do Gerês (onde poderá estar extinto), Rebordãos e Estrela, além do material de herbário referente à serra do Alvão. As populações da serra do Açor (em Fajão e Piódão, onde as vimos), descobertas em 1998 por Paulo C. Silveira et al. (A flora da Serra do Açor, Guineana, 2007), são as localizadas mais a sul na Península Ibérica — e o registo da sua existência na Beira Litoral e na Beira Baixa deverá ser acrescentado à Flora Ibérica.

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