22/03/2011

Narciso do Mondego

Narcissus scaberulus Henriq.


Damos nomes às coisas para encarcerá-las no tempo. Assim fazemos com os recém-nascidos. Assim os escritores dão títulos a seus livros: para que não se percam numa série infindável. Para que não desapareçam de nossos olhos. Para que nunca se repitam. Essa é a soberba humana — sempre repetida. Luiz Antonio de Assis Brasil, Ensaios íntimos e imperfeitos (L&PM Editores, 2008)

Pelas fotos, estas flores quase não se distinguem das que mostramos hoje, mas, ao vivo, foi fácil verificar que as últimas são mais pequenas. Além disso, a comparação entre as folhas erectas dos exemplares que vimos, na serra dos Candeeiros, do N. calcicola

– espécie descoberta por Francisco A. Mendonça em 1926 e por ele descrita no ano seguinte no Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances et Mémoires de la Société de Biologie (Paris)

e as prostradas, mais estreitas e de margens ásperas (escabras) do N. scaberulus

– baptizado, em 1888, no Boletim da Sociedade Broteriana, por Júlio Henriques (1838-1928), botânico que foi director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e fundador da Sociedade Broteriana –

ainda mais justificam a diferenciação taxonómica entre eles, apoiada aliás pela separação geográfica e pela caracterização do solo dos respectivos habitats. Na Nova Flora de Portugal (1994), de J. Amaral Franco e M. Luz da Rocha Afonso, estes dois narcisos da secção Jonquillae são apresentados como espécies distintas. Na Flora Ibérica, a proposta segue o conselho de A. Fernandes (em 1926, no Boletim da Sociedade Broteriana) e distingue duas subespécies: N. scaberulus subsp. calcicola, que ocorre nas serras calcárias do centro e sul de Portugal, e também em Espanha; e N. scaberulus subsp. scaberulus, endemismo português, que vive em solos graníticos na zona central da bacia do Mondego, um pequeno paraíso que, sem a ajuda da Luísa e do Joaquim, não teríamos descoberto.

O leitor certamente reparou que as tépalas do N. cyclamineus se recurvam para trás. Note agora que, no N. scaberulus subsp. scaberulus, elas formam um colar isabelino, quase perpendicular à taça. Para a semana, à mesma hora, poderá ver o penteado que falta, um narciso com as tépalas em franja sobre a corola.

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