21/03/2011

Lábios ao sol



Cheilanthes tinaei Tod.

Só na presença da água é que os fetos se conseguem reproduzir. Os gametófitos, nome que é dado às plantinhas efémeras nascidas dos esporos, expelem os anterozóides que têm de rabiar na água até encontrarem o orifício certo para a fecundação. Seria de supor que essa dependência da água se reflectisse no estilo de vida, e que todos os fetos preferissem viver em lugares encharcados ou pelo menos húmidos. Na verdade não é assim, como mostra o feto-labial (cheilos significa lábio em grego) que apresentamos hoje. Habitando fissuras de rochas xistosas ou graníticas fortemente expostas ao sol, o seu habitat de eleição não poderia ser mais inóspito. À semelhança dos nossos antepassados, que raramente tomavam banho e não consideravam a água como bebida, este feto de pequeno tamanho (frondes até 15 cm) pode suportar o orvalho ou uma chuva ocasional, mas prefere manter-se enxuto.

Mal grado a sua hidrofobia, o Cheilanthes tinaei tem uma indisfarçável paixão pelo Douro, em especial pela margem norte, mais soalheira e convidativa. Não é passeio que se recomende sem reservas, por envolver uma actividade proibida e potencialmente perigosa, mas quem inspeccionar os taludes rochosos em qualquer ponto da linha do Douro desde a Régua até ao Pocinho (e mesmo depois, já sem comboio, até Barca d'Alva) não deixará de encontrar um bom número destes fetos, agrupados em inconfundíveis tufos. E a parte final do curso do Douro, que a via férrea já não acompanha, não escapou a este discreto namoro. Até no Porto o feto encontrou refúgio de onde pode espreitar o rio em segurança: vemo-lo na rua da Restauração na companhia do Sedum hirsutum e reencontramo-lo, umas centenas de metros adiante, na ladeira da rua D. Pedro V. O contingente citadino é porém escasso, e observá-lo exige olho vivo e alguma persistência — embora não tanta como a que é necessária para descobrir a língua-cervina no território do Grande Porto.

Assinale-se que há duas outras espécies de Cheilanthes, também presentes na bacia do Douro, que facilmente se confundem com o Cheilanthes tinaei: trata-se do C. hispanica e do C. maderensis. O C. maderensis costuma exibir um porte mais erecto, além de ter pínulas mais alongadas; o C. hispanica, por seu turno, distingue-se do C. tinaei (que é quase glabro) pela pilosidade cor de ferrugem no verso das frondes.

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