23/05/2012

No entulho a fina flor

Leucanthemopsis pulverulenta (Lag.) Heywood



Apesar da etiqueta aí em baixo, não foi propriamente na serra da Estrela que foram colhidas as fotos deste malmequer. Foi, por assim dizer, na envolvente baixa dessa cumeada, perto de Celorico da Beira, a uma altitude de 470 m. No local, que fica à margem da EN 17, a 1 Km de distância de um nó da A25, abriu-se estacionamento para centenas de automóveis, mas não existe hipermercado, centro comercial ou mega-restaurante que possa atrair tão numerosa clientela. Alguém sonhou para ali uma nova centralidade que se ficou pelo desmesurado espaço de estacionamento. Porém, mesmo sem lojas, sem néons e sem diversões, há uma classe de gente com bons motivos para ir lá esquadrinhar os montes de entulho com o afinco de um garimpeiro à cata de pepitas. Referimo-nos, obviamente, aos botânicos amadores ou profissionais. Eis uma lista incompleta do que tais visitantes podem observar: Anchusa undulata, Astragalus pelecinus, Centaurea ornata, Cistus crispus, Cnicus benedictus, Linaria amethystea, Thymus mastichina e Viola kitaibeliana. A que se acrescenta a Leucanthemopsis pulverulenta, uma margarida que se assemelha a tantas outras mas é especial: um raro endemismo ibérico que, em Portugal, só aparece na serra da Estrela e noutros sítios montanhosos do norte do país.

Não que a sua presença desminta por completo a preferência que lhe é imputada por solos pedregosos de altitude. Só a altitude destoa, porque no resto tudo confere. A descida de nível tem como resultado a floração precoce, logo em Março, quando o normal nos cumes da serra é que ela se inice só em Maio.

A margarida-pulverulenta, como o nome indica, parece ter sido toda ela polvilhada com pó cinzento. As folhas (veja na 2.ª foto) são curtas, pinatífidas, com uns 7 a 15 segmentos lineares, e os capítulos, de centro amarelo e lígulas brancas de base amarela, têm cerca de 2 cm de diâmetro. É uma planta vivaz mas de vida curta, que emite numerosas hastes, cada uma delas rematada por uma única inflorescência.

O género Leucanthemopsis, criado por V. H. Heywood em 1975, reúne seis espécies antes incluídas nos géneros Tanacetum e Leucanthemum. Dessas, quatro são endémicas da Península Ibérica e só duas ocorrem em Portugal — a outra é a L. flaveola, que tem uma ecologia semelhante mas é algo mais empertigada.

6 comentários :

Luz disse...

Linda!
Fácil de encontrar?
Parece o sol e eu adoro. As crianças lá da sala, quando querem dizer que é muito bonita:"És linda como o sol". Neste caso é mesmo verdade!

a d´almeida nunes disse...

Uma maravilha. A beleza sublime de certas plantas e flores que se encontram nos sítios mais incríveis, até nas valetas e passeios da minha rua!

E a esteva?! As várias espécies de estevas que estão agora em flor?
Há lá flor mais linda?

Finalmente também tenho andado a acompanhar a evolução da floração da "caneleira", que não dá canela nem é esse o seu nome científico.

Há que tempos que não deixava aqui um comentário. A vida é uma madrasta e nem sempre nos permite gozar a Natureza como ela merece.

Sempre em forma...
Abraço
António Nunes

a d´almeida nunes disse...

Uma maravilha. De facto, só quem tiver sensibilidade para apreciar a Natureza nos seus mais ínfimos pormenores é que se dá conta do quão sublime ela é.

Tenho-me dedicado, ultimamente, a fotografar o que vou encontrando na valeta e nos passeios da minha rua. Um show!
A rua é muito inclinada, a água das chuvas corre como se fosse uma cascata, o espetáculo desta altura do ano, está-se mesmo a ver como é. Flores das mais variadas espécies, tamanhos, feitios, cores, muitas plantas vivazes!

O Dias com árvores, sempre em forma.

Abraço
António Nunes

Paulo Araújo disse...

Caro António:

Há quanto tempo não o víamos por aqui - e obrigado por comentar. Sim, as plantas que crescem nas valetas ou em lugares degradados podem ser tão bonitas e interessantes como as que existem nos melhores parques naturais. E dão testemunho de uma capacidade quase ilimitada de adaptação.

(A propósito, gostei muito dos seus campos de papoilas.)

Abraço,
Paulo Araújo

Anónimo disse...

O agora baptizado monte de entulho merece visita ao longo de quase todo o ano pois tem muito para oferecer a quem lhe dedique alguma atenção.
Marcaram também presença este ano: Astragalus cymbaecarpos, Halimium umbellatum subsp. umbellatum, Carduus tenuiflorus, Parentucellia viscosa, Cistus crispus, entre outras; começam e irão despontar a seu tempo, Digitalis thapsi, Ononis spinosa, Petrorhagia nanteuilii, Eryngium campestre, Bartsia trixago, Daucus crinitus, Daucus durieua, Centaurea ornata, Taeniantherum caput-medusae, entre tantas outras.
Entulho abençoado, rico e diverso este. Merece bem a pena ir onde o Mediterrâneo começa a perder o fôlego e o Temperado a ganhar território.

Abraço,
Alexandre

Paulo Araújo disse...

Pois é, Alexandre, admito que a percentagem de entulho na mistura final (e na determinação do carácter do habitat) tenha sido algo exagerada no texto. E, talvez com a excepção desta margarida e do cardo-bento, a maioria das plantas interessantes nem sequer estão nas partes mais ruderalizadas.

Mais entulho menos entulho, é um lugar abençoado (daí a presença do tal cardo), e estamos-te muito gratos por no-lo teres mostrado.

Abraço,
Paulo