Floreira autóctone
Ornithopus pinnatus (Mill.) Druce
Há dias escrevia alguém no jornal que quando o interior do país se despovoar por completo a solução é declará-lo parque natural. Admitia-se, com fingida ingenuidade, que um território entregue a si próprio há-de regredir para o que era antes da ocupação humana. Assim seria se essa ocupação não tivesse baralhado tudo. A natureza pseudo-regenerada há-de conter pedaços de vegetação de todos os continentes, com as acácias, os eucaliptos e umas tantas plantas cultivadas a darem testemunho da nossa devastadora passagem. Até na cidade — em terrenos baldios, em jardins votados ao desmazelo, ou até em floreiras esquecidas nas varandas — podemos acompanhar, como num laboratório, esses ensaios trôpegos de uma natureza tentando reencontrar-se. E aqui cabe introduzir uma experiência pessoal, que também explica a presença do Ornithopus pinnatus aí na vitrina. Durante meses fui co-encarregado de cuidar das plantas de um colega ausente no estrangeiro. A minha parte no arranjo consistia em despejar um balde semanal de água numa floreira enfeitada com cúfeas e iucas. Não me foi pedido que controlasse ervas daninhas, categoria de plantas cuja existência me recuso a aceitar. Foi assim que na floreira tiveram tempo de germinar, florir e frutificar nada menos que duas espécies de serradela, o Ornithopus pinnatus e o O. sativus. Isto num oitavo andar no centro do Porto. Tudo entretanto terá reentrado na normalidade com o regresso do meu colega. As plantas intrusas foram arrancadas, mas as sementes disseminaram-se, à espreita de novas falhas de vigilância aqui ou noutros lugares em volta.
Como tantas outras leguminosas, as serradelas são pasto delicioso para o gado, embora pouco cultivadas. Distinguem-se pelas suas folhas imparipinadas, com 2 a 9 pares de folíolos, desprovidas das gavinhas que permitem às ervilhacas (género Vicia) comportar-se como trepadeiras. O Ornithopus pinnatus, que tem hastes até 40 cm e é quase glabro, deveria chamar-se serradela-careca e não, como alega a Flora Digital de Portugal, serradela-lanuda, nome que assenta com propriedade ao Ornithopus compressus. Outro carácter distintivo da serradela-careca são as suas flores sem cachecol — ou seja, sem a bráctea foliácea que está presente nas demais espécies do género, como o O. sativus.
1 comentário :
Olá
Já lera este post ..(e lembro isso ..por causa dos deveres a que o autor se comprometera!) e tê-lo-ei feito já uns meses largos. Se tivesse procurado como agora procurei ..teria identificado umas florzitas que nos inícios de Junho/2013 fotografei numa das bouças cá de casa; em vez disso ..coloquei-as à consideração do Ian Smith (e ainda bem), no forum Naturdata ..e ontem ele respondeu-me: 'Ornithopus pinnatus! E já está no ND! E no Flora On'.
Nada de vícias como julgara!
Procurara mal ..ou desistira à 1ª tentativa.
E descobrir-lhes as vagens ..foi já uma aquisição que tem apenas dois dias.
Julgava já ter fotografado tudo de plantas selvagens ..cá por casa, e de vez em quando ..sou surpreendido. Ainda bem. Obrigado.
Abraço
Carlos M. Silva
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