Lábios de xisto
Cheilanthes hispanica Mett.
Um pouco ao modo dos veraneantes indiferentes às doenças de pele, o Cheilanthes hispanica gosta de sol para se queimar. Dizem os manuais, e confirma-o a nossa experiência, que este feto escolhe para habitação as fendas de rochas xistosas ou quartzíticas amplamente expostas aos raios solares. Mas, quando o estio aperta, as folhas ficam engelhadas e quebradiças, como que (para citar Florbela Espanca) pedindo a Deus a gota de água que as faça revigorar. E essa capacidade de ressurreição, ainda que não seja exclusiva dos Cheilanthes (também os polipódios a possuem), é que lhes permite sobreviverem em lugares inóspitos sem terem constantemente de lançar folhas novas para substituir aquelas que sofrem queimaduras graves.
As relações familiares entre os cinco Cheilanthes presentes em Portugal dariam boa matéria para as revistas cor-de-rosa, se essas publicações se interessassem pelo mundo vegetal. O C. tinaei, que já aqui mostrámos, é uma espécie tetraplóide que resulta do cruzamento de duas espécies diplóides, C. hispanica e C. madeirensis. O C. madeirensis, promíscuo talvez por ser raro e querer assegurar descendência, é pai de mais duas espécies da flora pteridófita portuguesa, C. acrostica e C. guanchica, tendo para o efeito acasalado com duas espécies inexistentes no nosso país, C. pulchella e C. persica. Parece que a duplicação dos cromossomas traz alguma vantagem competitiva, pois tanto o C. tinaei como o C. acrostica são, pelo menos por cá, bastante mais comuns do que os seus progenitores.
Tanta consanguinidade faz recear que as semelhanças morfológicas entre os diversos Cheilanthes tornem problemática a tarefa de os distinguir. O C. hispanica, porém, diferencia-se bem dos seus congéneres pelo verso das frondes revestidas por pêlos cor de ferrugem, e pelo pecíolo desproporcionalmente comprido (confira na 1.ª e 2.ª foto). Já o C. maderensis, C. tinaei e C. acrostica parecem formar uma brigada de trigémeos, mas, além das miudezas morfológicas aqui tão bem explicadas, deve ter-se em conta a geologia do habitat: o C. acrostica é exclusivo dos calcários, enquanto que os outros dois preferem rochas siliciosas.
1 comentário :
Olá Paulo e Maria,
Continua a disseminação da semente da sabedoria!
Um grande bem haja!
Miguel
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