Pau enegrecido
Picconia azorica (Tutin) Knobl.
Que a ilha das Flores é um rectângulo com 17 Km de comprimento e 12 Km de largura é um dado objectivo, do qual somos tentados a deduzir que todas as distâncias na ilha são insignificantes, e que só por comodismo habitantes e turistas se deslocam de carro e não a pé. O pedestrianismo é, além do mais, um modo de combater a claustrofobia, fazendo com que um espaço confinado se alargue em lonjuras insuspeitadas. Na realidade, para quem não é adepto de desportos suicidas, as distâncias que os mapas mostram pouca relação têm com aquelas que somos obrigados a percorrer. Subindo à costa oeste da ilha contemplamos lá em baixo, assim o nevoeiro o permita, os campos delimitados a pedra de lava, verdíssimos e geométricos, que anunciam o casario da Fajã Grande. Um pássaro pôr-se-ia lá num breve bater de asas, mas as centenas de metros da falésia quase vertical obrigam-nos, pobres bípedes, a tomar uma estrada que se enrola e desenrola preguiçosamente por uma dezena de quilómetros.
Aproximarmo-nos gradualmente daquilo que começámos por ver ao longe é pretexto para um jogo de adivinhação com regras flexíveis, em que o apostador pode ir corrigindo a aposta e no final ganha sempre. Que árvores são aquelas derramadas pela encosta como um reposteiro espesso? Criptomérias, sem dúvida. Mais adiante uma mata cerrada de incensos. Um ou outro plátano esquecido à beira da estrada. Não haverá, em toda esta exuberância de arvoredo exótico, uma amostra da vegetação autóctone? Sim, há os fetos, alguns deles raros noutras paragens mas aqui improvavelmente comuns, como o feto-do-botão (Woodwardia radicans) e o feto-frisado (Trichomanes speciosum). E há arbustos que gostariam de ser árvores e lutam por um réstia de espaço numa ilha que já foi sua, como a faia-da-terra (Myrica faya) e o pau-branco (Picconia azorica).
Já quase a altitude zero, com uma pastagem e uma estrada a separá-lo do mar, um bosquete de pequenas árvores com folhagem luzidia e copa de muitos e emaranhados ramos atrai-nos a atenção. Não fossem os troncos quase negros e diríamos tratar-se do pau-branco. Há que saltar um muro para confirmar de perto a identificação. Sim, as flores (poucas, porque tardias) não mentem, e os ramos mais recentes exibem a palidez e lisura que caracterizam a espécie. O pau-branco enegreceu e enrugou com a idade, mas não deixou de ser quem era.
Arbusto ou árvore perenifólia com não mais que 8 metros de altura, a Picconia azorica é endémica dos Açores, onde só não ocorre na Graciosa. Uma segunda espécie, Picconia excelsa, da Madeira e das Canárias, partilha o nome pau-branco e completa um género que é exclusivo das ilhas atlânticas. Ambas têm fama de fornecer boa matéria-prima para a marcenaria, o que, nos Açores, terá contribuído para o desaparecimento de povoamentos antigos. Nas Flores, onde são comuns os indivíduos jovens de Picconia azorica, a espécie não está tão ameaçada como poderá estar noutras ilhas; mas árvores com muitas décadas de vida, como estas na Fajã Grande, parecem ser raras.
Ilha das Flores: Fajã Grande com Picconia azorica em primeiro plano
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