20/05/2013

Margarida floribunda


Anthemis arvensis L.


É cada vez mais frequente as nossas máquinas serem mais inteligentes do que nós. Por não nos empenharmos em estudar manuais de instruções, os brinquedos electrónicos que nos facilitam ou complicam a vida têm inúmeras potencialidades de que nunca tiramos proveito. O mesmo sucede com o software que, sem esperar pela nossa autorização, o computador actualiza com enervante assiduidade. As novas versões, dizem-nos as caixinhas que abrem espontaneamente no ecrã, têm esta e aquela vantagem relativamente às anteriores; as quais, na verdade, nunca chegámos a testar. Ainda assim, temos a vaga ideia de que as frenéticas actualizações nos deixam mais bem servidos. Seria um mundo de possibilidades sempre em expansão se não tivéssemos ultrapassado há muito a fronteira da sobrecarga informativa.

Está na altura de admitirmos a impotência, baixarmos os braços, e regressarmos a coisas simples como ler um livro em papel ou passear no campo. Esta última actividade não está, porém, a salvo da mediação tecnológica, uma vez que o único modo de darmos nome a certas plantas que vamos encontrando é fotografá-las para depois, em casa, lhes analisarmos os detalhes morfológicos. Mas há coisas que não ficam nas fotos, pois exigiriam desmembrar as plantas para deixar à vista pormenores em geral ocultos. E, como ainda não se inventou tecnologia que permita registar impressões olfactivas ou tácteis, para sentirmos o perfume e a textura de uma planta não há nada que substitua o nariz e as pontas dos dedos. Por isso é algo frustrante compreendermos que certa identificação dependeria de uma dicotomia tão simples como bom ou mau cheiro, e que nós, no momento crucial, com a planta à nossa frente, nos esquecemos de dar uso ao nariz. Trata-se de um equipamento básico com que todo o ser humano vem provido, e que acabamos por considerar meio obsoleto por não ser alvo de constantes upgrades (pelo menos no que à função de cheirar diz respeito).

Há muitas margaridas de flores brancas espontâneas em Portugal; e o número não baixa significativamente se nos restringirmos àquelas que têm folhas dividas em segmentos mais ou menos lineares. No blogue já mostrámos, dentro dessa categoria, os raros Phalacrocarpum oppositifolium e Leucanthemopsis pulverulenta e o muito comum Chamaemelum fuscatum. Depois das folhas e das flores, convém olhar as brácteas involucrais, que já permitem distinguir com segurança essas três margaridas daquela que hoje nos ocupa. O maior ou menor grau de pilosidade reduz ainda mais o rol de candidatos; e, dado que a nossa planta anda longe de ser glabra, é com alguma confiança que nos decidimos pelo género Anthemis. Falta o passo final: será A. arvensis ou A. cotula? Dizem que a primeira é bem cheirosa e que a segunda é fétida, mas não a cheirámos quando laboriosamente nos estendemos na relva para a fotografar. Há ainda uma conversa, que nada adianta, sobre as escamas interflorais, só visíveis quando desfazemos a inflorescência. Um ou outro detalhe mínimo (margens das brácteas involucrais quase transparentes, formato mais alongado das folhas) inclina-nos para a Anthemis arvensis, mas podemos estar equivocados.

Supondo então que é dela que se trata, a falsa-camomila (Anthemis arvensis) é uma planta anual de terrenos baldios ou cultivados, nativa de toda a Europa, do norte de África e da Ásia Menor, que costuma florescer a partir de Maio, ou um pouco mais cedo em climas mais cálidos. Os capítulos florais, com cerca de 3 cm de diâmetro, surgem solitários nas extremidades das hastes, que podem atingir os 50 cm de altura. O nome Anthemis, escolhido por Lineu, parece referir-se à exuberância da floração.

4 comentários :

jj.amarante disse...

Tem toda a razão quanto a essas actualizações de software excessivamente frequentes e muitas vezes inúteis, parece que não conseguem estar sossegados. E depois dizem que é preciso trabalhar mais horas por semana, esta sociedade segue muitos caminhos errados.

bea disse...

Andei vendo estas margaridas; nesta altura do ano é quase impossível não dar com elas por valados e terrenos sobretudo incultos da zona em que vivo. E alguém me quis convencer que eram camomila. Não tinha ideia de que fossem, mas aceitei a possibilidade. Como aqui se falou em falsa camomila...deu para entender a confusão :)
Obrigada. Assim já não faço um chá de margaridas que seria provavelmente, intragável :))

Paulo disse...

Caros Paulo e Maria
Não tenho a certeza absoluta mas parece-me que estas fotos são de Anacyclus clavatus.
Um abraço
Paulo Alves

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Paulo.

Provavelmente tem razão, as folhas parecem-se mais com as da Anacyclus clavatus. Tenho uma dificuldade terrível em distinguir estas espécies, e as fotos que tirei não ajudam muito. Deveria ter seccionado um capítulo para se verem melhor os florículos.

Abraço,
Paulo Araújo