17/06/2013

O padre e o lobo

Antirrhinum lopesianum Rothm.


Esta planta é um endemismo ibérico de que só se conhecem registos em Trás-os-Montes e no Douro internacional. Pertenceu em exclusivo à flora portuguesa entre 1877-79, altura em que o colector Manuel Ferreira, da equipa do Jardim Botânico de Coimbra liderada por Júlio Henriques, a descobriu, e 1989, ano em que Amich e colaboradores encontraram populações no lado espanhol. Contudo, a descrição da planta em publicação científica foi primeiro feita em 1956 por Werner Rothmaler, um botânico alemão refugiado em Portugal. A falta de iniciativa dos botânicos portugueses talvez se devesse ao facto de julgarem tratar-se do A. molle e não de uma espécie até então desconhecida. Em jeito de recaída, Pinto da Silva chega mesmo a designá-la, em 1973, como Antirrhinum molle L. subsp. lopesianum, mas análises recentes da morfologia e considerações sobre a ecologia de ambas confirmam que se trata de espécies distintas. A designação escolhida por Rothmaler homenageia o Padre Miranda Lopes (1872-1942), que encontrou, em 1926, esta planta em Argoselo e Teixo. Sobre a contribuição para o estudo da flora de Trás-os-Montes deste colaborador de J. Henriques, A. X. Pereira Coutinho e G. Sampaio, aos quais durante anos enviou amostras de plantas que foi descobrindo em Vimioso e arredores, num tempo em que o nordeste português ficava a muitos dias de viagem, sugerimos a leitura da obra de João Paulo Cabral sobre Gonçalo Sampaio.

O que se nota de imediato ao ver este «dragão das arribas» é a penugem branca muito densa nas folhas e caules. Dá logo vontade de passar a mão por essa lã; notamos então como é planta débil e ficamos com um ligeiro visco nos dedos, substância que talvez a proteja de predadores ou, pelo contrário, atraia polinizadores. As flores são bocas-de-lobo idênticas às de outras espécies do género Antirrhinum, mas brancas com veios roxos no topo.

Dir-se-ia que é planta de xisto, o tipo de rocha e solo ácido comuns em Trás-os-Montes. Na verdade, ela coloniza fendas de rochas onde escorre água rica em calcário. Foi nesse ambiente que vimos duas plantinhas à beira da estrada, junto ao rio Maçãs, depois algumas dezenas abrigadas por grandes rochas bastante mais acima no monte, e ainda exemplares dispersos por vários recantos à sombra. Não se julgue, contudo, que é planta abundante. Não só está restrita a poucos locais como as populações são diminutas e ocorrem em habitats raros. É razão de peso para que exista um livro vermelho da flora portuguesa, onde esta planta surgiria na lista das que estão em risco de desaparecer. Não sendo a sua presença nesse livro protecção suficiente, pelo menos os responsáveis pela sua extinção estariam previamente avisados e, portanto, sem álibi.

3 comentários :

bea disse...

Ter a coragem de florir no meio das pedras é uma aventura. Desejo longa vida às plantas desta natureza. É rara beleza observar flores a brotarem de fendas rochosas. Não que sejam muito bonitas mas é extraordinária visão. Até para quem como eu, ama os calhaus.

Havia então um padre atento às espécies...

Boa Semana

ZG disse...

Excelent post!!
Parabéns e bem hajam!!
O livro sobre GS é uma verdadeira maravilha, assim como o dragãozinho e as as paisagens durienses!!!

Maria Carvalho disse...

Havia, bea, e até se aborrecia com as almas dos paroquianos...

ZG: Pena o dragãozinho não morder quem o ameaça.