03/02/2014

Tremuras de um feto


Pteris tremula R. Br.


Enquanto imigrantes clandestinos, os fetos têm uma capacidade para passar incógnitos que as outras plantas só podem invejar. E não é por mérito próprio, mas sim pela dificuldade que nós, humanos, temos em distingui-los. Se, num país pouco dado à observação da vida natural, as plantas são, na maioria das vezes, um adereço a que não prestamos atenção, o caso agrava-se desmedidamente quando se trata de fetos, que têm o inconveniente de não florir e por isso quase nunca sobressaem pelo colorido vistoso. Mesmo entre pessoas que professam algum interesse por plantas, não é raro encontrar quem pense que os fetos são todos iguais, ou que no máximo deles haverá duas ou três espécies diferentes.

Os fetos são capazes de se adaptar aos ambientes mais diversos, e também de sobreviver à negligência e ao abandono. Quando o jardim de um palacete arruinado é invadido por silvas em renhida disputa com as demais plantas oportunistas, já sabemos que em poucos anos as flores requintadas e os arbustos exóticos que fizeram o orgulho de gerações de jardineiros se irão perder para sempre. Por vezes nem as árvores resistem ao assalto. Não é incomum, porém, que os fetos, também eles adquiridos a bom preço em algum horto (houve um tempo, há mais de um século, em que os fetos estiveram na moda), tenham artes de se empoleirar nalgum muro e daí procurar poiso menos ameaçado. Quando o matagal tiver sido obliterado pelo betão e convertido em condomínio fechado, já eles estarão a salvo noutras paragens.

É essa a história de vida do Pteris tremula, um feto originário da Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, enquanto imigrante na cidade do Porto. Já o vi em jardins decadentes, onde além dele só havia relva porque tudo o resto morrera sem ser substituído. Já o vi a colonizar muros velhos. Por duas ou três vezes tentou crescer nos jardins do Palácio de Cristal: a motosserra dos motojardineiros sempre lhe frustrou os intentos, mas desistir não é com ele. Sem se importar com o trânsito atroador da VCI, encontrou o seu refúgio mais seguro no canteiro de fetos do Jardim Botânico do Porto, e por lá se tem multiplicado livremente.

Dizem que, nos climas tropicais ou subtropicais onde teve berço, o feto-tremedor pode lançar frondes que chegam aos 2 metros de comprimento; mas, no nosso clima e nas condições algo precárias em que por cá é forçado a viver, elas atingem não mais que uns 70 cm. Tal como sucede com todos os outros fetos do género Pteris (entre eles o P. vittata e o macaronésio P. incompleta), o P. tremula ditingue-se pela disposição linear dos esporângios, protegidos pelas margens recurvadas das pínulas (4.ª foto).

3 comentários :

ZG disse...

Muitos parabéns por mais uma excelente descoberta!!!

bea disse...

"Quando o matagal tiver sido obliterado pelo betão e convertido em condomínio fechado, já eles estarão a salvo noutras paragens."

a natureza tem subterfúgios que não imaginaríamos. Ou serão estratégias de sobrevivência. E de como, sendo quieta, tanto se move...

Obrigada pela informação

Anónimo disse...

Olá, descobri agora que este é o feto que tenho no muro do ,meu quintal, apareceu o ano passado e desde então tem vindo a crescer. Intrigava-me a origem daquele feto, mas agora fico a saber a sua origem, claro que tenho pena por não ser autóctone, mas é um feto espetacular. Cumps Rui Faria