27/05/2014

Pascoinhas de bolso


Coronilla repanda (Poir.) Guss. subsp. dura (Cav.) Cout.


Os verdadeiros sem-terra são os que vivem nas cidades empilhados em apartamentos. A pulsão inata de cultivar uma flor ou fazer germinar uma semente só a podem realizar em jardins fragmentários, reduzidos aos vasos na varanda ou às floreiras na janela. Cabem ainda, espalhadas pelas divisões da casa, aquelas produções postiças dos viveiros holandeses que não sobrevivem ao ar livre e pouco ou nada lembram as plantas silvestres suas antepassadas. Tudo somado, a terra de que os espoliados urbanitas dispõem para cultivar as suas pobres e adulteradas amostras de natureza não ultrapassará, mesmo nos melhores casos, as duas dezenas de litros. A miniaturização praticada pelos adeptos do bonsai é a reacção possível de quem, impedido pelas circunstâncias de ter um jardim cheio de árvores, resolve encolhê-las para que elas caibam no seu apartamento.

Às vezes a própria natureza, lançando várias versões do mesmo produto em diferentes tamanhos, tenta dar uma ajuda àqueles jardineiros sem espaço para exercerem a sua vocação. Talvez assim se explique a existência destas pascoinhas em versão de bolso, embora a receita não tenha sido das mais bem sucedidas. As verdadeiras pascoinhas (Coronilla glauca) são arbustos de mais de um metro de altura, de floração intensa e perfumada, e que em Portugal aparecem sobretudo na faixa litoral entre Coimbra e Setúbal. Os afortunados com espaço para cultivá-las podem mesmo encomendar sementes; os outros, a quem só sobra um pequeno vaso num canto da varanda, poderão tentar a versão herbácea, ilustrada nas fotos. A planta cabe no apartamento mais acanhado: é esguia, não ultrapassa os 40 cm, em geral fica-se por bem menos. Não exige grandes mimos, e não morre se nos esquecermos de a regar. Um ponto fraco é as flores serem minúsculas, escassas e pouco vistosas. Pior ainda é tratar-se de uma planta anual: a sementeira terá que ser renovada todos os anos se ela própria, como aliás é de esperar em condições artificiais, não produzir sementes viáveis. Damos o braço a torcer e desistimos da ideia. Há coisas da natureza que, por muito pequenas que sejam, não nos cabem em casa.

A Coronilla repanda — que, à semelhança das suas congéneres, é uma planta glabra e azulada, com folhas compostas imparipinuladas — aparece em pastagens e em terrenos arenosos, e no nosso país está distribuída pelo interior norte e por toda a metade sul do território continental. A subespécie dura, que é a mais comum em Portugal, e que tem folíolos menores e mais arredondados do que os da subespécie repanda, só existe na Península Ibérica e em Marrocos.


Quinta das Carvalhas
Foi na Quinta das Carvalhas que vimos e fotografámos estas pascoinhas em miniatura. A quinta é uma das maiores da região demarcada do Douro, na margem sul do rio junto ao Pinhão, com grandes manchas de mato mediterrânico entremeando vinhas e olivais,  Com a desvairada guerra química que no Douro as brigadas herbicidas fazem à vegetação natural, a Quinta das Carvalhas é um lugar raro, funcionando como repositório da ameaçada riqueza botânica duriense. Por amável autorização do responsável da Quinta, percorremo-la demoradamente num dia soalheiro de Abril com o propósito de fazer um inventário das espécies vegetais espontâneas que nela ocorrem. Ficaram, contudo, largas parcelas por visitar; e, além de não conhecermos todas as plantas, muitas delas só iriam surgir mais tarde. A lista que compilámos (disponível aqui em pdf) está pois muita incompleta: o número de 134 espécies a que chegámos poderia sem grande dificuldade ser duplicado ou mesmo triplicado.

6 comentários :

Carlos M. Silva disse...

Olá 'vagabundos da botânica'!

Vocês abrem janelas onde elas parecem estar fechadas ou mesmo não existirem; vocês pintam quadros, não insuspeitos mas diria invisíveis, apenas com o olhar.
Quanta coisa estará por descobrir ..nas vossas vagabundagens, mesmo por terrenos cultivados e 'limpos' como esses, desde há séculos usados para deleite do Homem.
Abraço
Carlos

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Carlos.

Infelizmente só praticamos a vagabundagem ao fim-de-semana e em doses moderadas. E só abrimos esta "janela" sobre a Quinta das Carvalhas porque alguém nos abriu o portão. Mas é um passeio muito recomendável, a fazer antes que chegue o escaldante Verão duriense.

Abraço,
Paulo

bea disse...

Que bonita a plantinha azul que se vê numa das fotos.

ZG disse...

Grande post e grande lista!!

Xisto disse...

"A miniaturização praticada pelos adeptos do bonsai é a reacção possível de quem, impedido pelas circunstâncias de ter um jardim cheio de árvores, resolve encolhê-las para que elas caibam no seu apartamento".

Gosto da natureza selvagem, planto e cuido de árvores e dedico à jardinagem em meio rural toda a energia que me é possível. Quero ver crescer as minhas árvores até às estrelas.
Gosto também de Bonsai, embora nunca tenha tentado cultivar nenhum. Parece-me uma arte excessivamente complexa para a capacidade e experiência de um simples amador da natureza. No entanto, se eu conseguisse trazer algumas árvores em miniatura para dentro de casa, sentir-me-ia um jardineiro radiante.

Maria Carvalho disse...

bea: É um gerânio.