29/07/2014

O regresso da orquídea fragrante

Há uns anos, os dados oficiais indicavam que a orquídea Gymnadenia conopsea estava extinta em Portugal. Foi essa a categoria que lhe atribuiu o Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês de 1995. E, em 2003, Amaral Franco, na Nova Flora de Portugal, regista-a apenas no Borrageiro e em tão pequeno número que a considera quase extinta. Para esta avaliação decerto contribuiu o facto de o Verão ser impiedoso na serra do Gerês, de esta orquídea florescer no fim de Junho e de o seu habitat natural se situar nas zonas mais altas e remotas da montanha, de acesso difícil mesmo para os técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e para os vigilantes do Parque.


Gerês: Borrageiro e Fichinhas
A boa notícia é que a extinção desta orquídea foi apenas burocrática, e aliás o lapso já foi corrigido no actual plano de ordenamento do PNPG. Em 2009, Ana Júlia Pereira e Miguel Porto encontraram-na num prado a cerca de 1200 metros de altitude; e, desde então, alguns membros da AOSP descobriram mais cinco núcleos, vários com dezenas de plantas em flor. Mantém, porém, o seu estatuto de orquídea rara, refugiada em urzais montanhosos a mais de vinte quilómetros da vila do Gerês, a justificar plenamente um programa de conservação em que os pastores aceitem colaborar. Tais medidas de protecção beneficiariam também outras preciosidades que a serra guarda, e o atraso em implementá-las deveria ser punido como negligência grave. Sendo uma planta de prados, a Gymnadenia requer uma gestão eficiente do desbaste natural das herbáceas rasteiras de altitude que o gado efectua: se for desmazelado, os matos invadem os pastos e sufocam as orquídeas; se exagerado, ou feito na época da floração das orquídeas, elas desaparecem. A juntar a esta ameaça, há ainda as queimadas mal vigiadas, o abandono do uso tradicional dos lameiros, o pisoteio que o pastoreio intensivo provoca em habitats frágeis, o impacto na composição dos solos que a presença maciça de gado comporta, e (talvez em menor grau) a colheita ilegal de plantas.


Gymnadenia conopsea (L.) R. Br.


Guiados por quem conhece bem a serra e as orquídeas, avistámos no início de Julho três populações desta planta. É fácil de reconhecer: exibe inflorescências cilíndricas elegantes, flores magenta muito aromáticas com esporões de cor púrpura, longos, finos e tão transparentes que (pelo menos na flor albina da foto) conseguimos ver o néctar que contêm. Reparámos que havia um número maior de plantas nos solos mais húmidos ou perto de córregos, frequentemente rodeadas de Narthecium ossifragum e Dactylorhiza maculata. Curiosamente, os dois géneros de orquídea Gymnadenia e Dactylorhiza podem hibridar, e a última foto mostra um dos vários híbridos que vimos neste passeio.


Dactylorhiza maculata, Gymnadenia conopsea e um híbrido das duas
Como sabemos que é um híbrido? Porque parece uma Dactylorhiza, pela pigmentação no labelo, o esporão curto e o arranjo denso das flores, mas estas têm as sépalas laterais largas, estendidas e quase horizontais, tal como as da Gymandenia, e rescendem a baunilha, sendo a Dactylorhiza praticamente inodora.

4 comentários :

ZG disse...

Que belas imagens do Gerês!!

ZG disse...

S. Jorge - uma das ilhas mais fascinantes do Mundo!!

Carlos M. Silva disse...

Olá

Decerto nunca a terei visto.
Se bem que desde 2007 tenha andado por essas zonas em caminhada com amigos, inclusivé o ano passado, 2013, e nesse ano de 2007 precisamente em Julho, não a terei visto ou então não se terá feito notar (ou então é alguma foto perdida nas pastas dessas caminhadas.., mas duvido)!
Pode ser que um dia esses montes, me voltem a chamar, e aí então procurarei.
Obrigado e abraço.
Carlos M. Silva

bea disse...

Neste blogue sente-se às vezes o cheiro da terra escura e húmida.
Obrigada pelas fotos. As orquídeas brancas são lindas e os espécimes híbridos parecem sorrir-nos no seu Carnaval de flor