Salsaparrilha açoriana
A ilha do Pico é uma montanha jovem com cerca de 2350 metros de altura que parece dividida em três camadas. O primeiro anel, junto ao mar, tem praias de rocha ainda não erodida e é um terreno de inclinação suave pintalgado de telhados vermelhos, casas brancas e vinhas plantadas em resguardos com muros de pedra vulcânica. O topo, feito de rocha escura e quase sem vegetação, com um Piquinho engraçado onde neva no Inverno e se senta no Verão, por vezes, um boné de neblina, é tão alto que, sob criteriosa autorização da Direcção Regional do Ambiente, é possível ver dele o sol a nascer ou a pôr-se, muito mar, baleias e as outras ilhas. No anel do meio, verde e fresco, distinguem-se, se o cachecol de nuvens o permite, vastos prados de solo muito fértil, matos de rapa, vassoura, faia, pau-branco, azevinho e zimbro, e floresta laurissilva muito bem preservada. É este terço médio que nos interessa: é o refúgio de quase todas as plantas que vimos no Pico, algumas em populações abundantes a contrariar o avanço das hortênsias, rocas-da-velha e pitósporos que tanto afligem quem se preocupa com a conservação da flora endémica açoriana.
A trepadeira Smilax azorica já se chamou Smilax canariensis, espécie que se julgava endémica da Madeira, de seis das ilhas dos Açores e três das ilhas Canárias. Os herbários indicam que foi colhida pela primeira vez por Masson em 1777 na ilha de São Miguel e descrita posteriormente por Watson em 1844. Contudo, em 2009, num artigo publicado pelo Instituto de Estudios Canarios, Hanno Schaefer e Peter Schoenfelder revelaram as conclusões de um estudo genético comparativo destas duas espécies, propondo que a Smilax açoriana se tornasse uma espécie independente, com a designação Smilax azorica. Para quem procura uma ou outra espécie, convirá saber que a S. canariensis é rara mesmo na Madeira; que a S. azorica não ocorre nas ilhas Graciosa, Flores e Corvo, não é fácil de encontrar nas ilhas do grupo central (no Faial só a vimos no Jardim Botânico, mas no Pico avistámos várias populações, com muitos frutos, em bosques de incenso e também em florestas naturais), e é algo mais frequente em São Miguel e Santa Maria. Os autores desse artigo elaboraram uma chave taxonómica para que não restem dúvidas, de que destacamos o facto de os frutos da S. azorica amadurecerem vermelhos como cerejas e os da S. canariensis serem de cor preta quando maduros.
Talvez a Smilax açoriana descenda da S. canariensis, e esta de plantas asiáticas, mas essa árvore genealógica está ainda por comprovar. A única irmã destas Smilax que ocorre, aliás com uma distribuição ampla, na Península Ibérica é a S. aspera, de folhas sagitadas coriáceas com margens espinhosas, cujos frutos amadurecem negros. São todas plantas dióicas e de folhagem perene.
4 comentários :
as vossas fotos são qualquer coisa de extraordinário. Fica-se a desejar ver as ilhas açoreanas e calcorrear atalhos do sem fim para observar algumas das raridades que mostram.Até as montanhas jovens com bonés de nuvem apetecem:)
Bom Regresso e bem hajam pela partilha
Bela planta! Também tive o privilégio de a encontrar uma vez, suponho que na Ilha Terceira, em VIII.2005.
Tenho uma destas no quintal, as folhas formato de coração, toda espinhosa, trepa em tudo, ja esta ramificando por todo o lote, alem de trepar em arvores do quintal, só que nunca vi frutos, será porque?
As salsaparrilhas (género Smilax) são plantas dióicas, o que significa que há plantas masculinas e plantas femininas. Ambas dão flores, mas só as plantas femininas é que dão frutos. Provavelmente a planta que tem no quintal é masculina. Mesmo que seja feminina precisa de uma masculina por perto para frutificar. (Veja a diferença nas fotos: flor masculina e flor feminina.)
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