31/01/2015

A árvore que sobra


Sorbus torminalis (L.) Crantz


Desde crianças que não gostamos de ser meros espectadores. Esforçamo-nos desde então por traçar rectas, caminhos mais curtos ou mais rápidos, numa azáfama transformadora que, se destrói, logo tenta consertar para que não se note o estrago. Chegamos agora facilmente a muitos lugares e neles não faltam florestas acabadas de plantar (mas por que será que elas nos lembram desertos?), albufeiras onde estrepitosas motos de água permitem a descontracção ansiada depois de uma semana de canseira citadina (mas onde está o rio bravo que ali se admirava?) e centros de interpretação com promessas de uma via privilegiada de comunicação com a natureza.

Lamentavelmente, a natureza não tem espinhos ou ganchos com que se defender, anda muito melindrada e nem sempre resiste a tanto empreendedorismo. Decerto há plantas que também aproveitam os estradões, abertos serra acima a pensar nas eólicas, para experimentarem outros habitats favoráveis ou apenas colonizarem o novo espaço disponível. E também conhecemos as que apreciam as clareiras dos novos matagais de eucaliptos com que esverdeamos o país. Mas, mais frequentemente, depois de serem maltratadas ou de lhes derrubarem o bosque de sombra, humidade, musgo e sossego em que viviam, as plantas não conseguem adaptar-se ao novo ambiente e definham. Talvez seja essa a razão dominante para a raridade desta árvore, uma das quatro do género Sorbus no nosso país. Dela há por cá poucas populações conhecidas, avisando a Nova Flora de Portugal, de Amaral Franco, que elas se restringem às serras do Gerês, Nogueira e Gardunha, onde os carvalhais também já foram mais abundantes. Os registos da Flora On, porém, indicam outros locais onde a espécie resiste, na Beira Alta e em Trás-os-Montes.

O espécime que fotografámos está em Castro Vicente; ele e um companheiro mais novo parecem ser únicos numa vasta área. Encontrámo-lo graças a uma indicação do Miguel Porto, mas chegámos tarde para ver as cimeiras de flores, e os frutos não estavam ainda formados. As pétalas são brancas e rodeiam inúmeros estames, como no pilriteiro (Crataegus monogyna), e em 1753 Lineu até lhe chamou Crataegus torminalis. As folhas ainda se mantinham frescas e pudemos verificar como são glabras (embora tenham sido meio penugentas no início da Primavera), de textura rija e contorno profundamente lobado; é esse o traço que o distingue das restantes sorveiras portuguesas.

Esta sorveira (S. torminalis) é nativa do centro e sul da Europa, norte de África e parte da região mediterrânica. A informação do portal Anthos diz-nos que ela se encontra bem disseminada na Península Ibérica, mas só do lado espanhol. Ao estudarmos as referências sobre ela, lemos que o epíteto latino torminalis se refere ao risco de problemas intestinais que a ingestão das bagas pode provocar. E aprendemos ainda que esta árvore é inerme.

6 comentários :

Anónimo disse...

Mais um post muito interessante. Apenas uma pequena correcção: Sorbus, como Crataegus, Pinus, Quercus, Sambucus, etc. (a larga maioria das árvores) é do género feminino.

Xisto disse...

A propósito de uma outra raridade, existente na Beira Baixa (Zona do Pinhal Interior), para a qual ainda não encontrámos qualquer explicação científica, nem mesmo uma simples descrição, lembrei-me que talvez a vossa muita experiência e estudo da natureza nos possa ajudar a decifrar um enigmático "fenómeno botânico".
Tomo por isso a liberdade de sugerir uma visita em http://xisto-centrodearte.blogspot.pt/

Maria Carvalho disse...

Tem razão, mas por vezes é difícil conciliar o latim com o português (enfim, soa-nos mal dizer «a Pinus» ou «a Quercus» ou «a Cupressus»). A solução tem sido (e foi o que fiz depois do seu reparo, que agradeço) evitar o uso de artigos ou optar por designações em português (se existem).

bea disse...

Só por ser inerme "a árvore que sobra" já tem a minha estima.

Luis Filipe Gomes disse...

Finalmente os meus dias passam a ser também "Dias com árvores". Bem hajam!
Fiz uma janelinha para estes dias e estas árvores lá no meu canto.

Petrus Monte Real disse...

"A árvore que sobra"
é um belo texto:
cativa e alenta
os que ainda pensam
(uma raridade nos dias que correm!)
em Defesa da Natureza.
Tocou-me!