27/10/2015

Flores de perdição


Aconitum vulparia Rchb


Na viagem de volta da Cantábria, a estrada pareceu-nos perigosamente estreita, de tal modo que os inúmeros carros de turistas que por ali transitavam eram obrigados a dispor-se em fila ordeira. Era afinal uma impressão falsa, criada pelos rochedos gigantes, desfiladeiros temerosos e naves de arrepiar numa cordilheira montanhosa quase inacessível. Os exemplares desta planta, altos de uns 2 metros, com folhas palmadas muito divididas e inflorescências erectas ramificadas, estavam junto a um ribeiro em cujas margens pedregosas a gotejar se viam dezenas de exemplares de Pinguicula grandiflora. Reconhecemos o capuz das flores, mas a perdição-dos-lobos (wolfbane, monkshood, devil's helmet, queen of all poisons ou blue rocket) que conhecíamos da literatura (não a portuguesa: são raros os escritores nacionais que sabem os nomes e as características das plantas, ou que lhes concedem um protagonismo que vai além de matéria para cenário) tem flores roxas. Esse é o Aconitum napellus, o único que ocorre em Portugal, contando de momento no portal Flora-On com um só registo da subespécie lusitanicum algures num bosque em Trás-os Montes.

Sabendo quão peçonhentas são algumas das espécies deste género (incluindo a das fotos), não arriscámos sequer tocar numa flor. Mas podem analisar connosco alguns pormenores, ver aqui um corte em detalhe e comparar, no Flora-On, estas com outras flores complicadas da família Ranunculaceae (como as de Aquilegia ou Nigella, em contraste com as mais simples, do género Ranunculus). Cada flor tem cinco sépalas, duas laterais largas e achatadas, duas mais estreitas à frente e uma a formar um capuchinho. Dentro dele, estão duas pétalas com um pé alto e um esporão onde se guarda o néctar, indicando que os insectos polinizadores devem ter línguas finas e longas. Espreitando para o interior da flor, vê-se uma câmara com um molho de estames na base.

As plantas do género Aconitum são vivazes e há cerca de 150 espécies no hemisfério norte, cinco das quais se abrigaram na Península Ibérica. O A. vulparia é nativo da Europa e do norte de África; curiosamente, o epíteto específico refere-se a raposas, não a lobos. Algumas espécies inofensivas e de floração outonal, como o A. carmichaelii, são frequentes em jardins (não portugueses, claro). As tóxicas continuam, contudo, a ser as mais apreciadas, seja para facilitar a vitória dos heróis da mitologia, suprimir os rivais em narrativas de reis, princesas e bruxas, eliminar inimigos em histórias de detectives, caçar grandes presas à lança ou simplesmente como sugestão literária de veneno.

2 comentários :

ZG disse...

Flores e picos de rara beleza, como nos Alpes!!

bettips disse...

É sempre o olhar: do horizonte ao chão. Um BELO olhar!
Abç