22/12/2015

Azul dos picos


Eryngium bourgatii Gouan


Quando encontrámos a Astrantia, foram as suas indisfarçáveis semelhanças com as umbelíferas fora-do-baralho do género Eryngium que nos deram a primeira pista para a identificação. E em Abiada, na ladeira pedregosa que descia para o ribeiro onde vimos a Astrantia à sombra de avelaneiras, lá estava um Eryngium muito azul para nos avivar a memória, despontando entre as rochas calcárias na companhia de têucrios, orquídeas e cravos. De facto, mesmo os portugueses pouco dados a caminhadas na natureza deverão alguma vez ter visto, quando se preparavam para estender a toalha na areia, o Eryngium maritimum, ou cardo-marítimo, enfeitando profusamente as dunas. Mas este Eryngium cantábrico era robusto, diferente dos que até então observáramos, combinando o azul intenso do E. dilatatum, que conhecemos de Sicó e dos Candeeiros, com o aspecto geral do cardo-corredor (E. campestre), frequente em terrenos baldios e bermas de estrada de norte a sul do país.

Os Eryngium são umbelíferas de índole rebelde, que rejeitam as tradições da família a que pertencem para se mascararem de cardos. A somar a esse transformismo comum a todas as espécies, aquelas que tentam vestir-se de azul, como o Eryngium bourgatii, não o conseguem fazer dos pés à cabeça, e acabam por exibir uma atraente policromia de tons metálicos entre o verde, o prateado e o roxo. São plantas de tão óbvia vocação ornamental que o seu uso em jardins (não em Portugal, claro) tem a força da inevitabilidade.

O E. bourgatii é uma planta quase só ibérica (ou, se quisermos, espanhola), com pequenos contingentes em Marrocos e na vertente francesa dos Pirenéus, que gosta dos ares de montanha e floresce no Verão. Dizem que é indiferente ao pH do solo, mas na Cantábria só a vimos crescer em substratos calcários. Há alguma variabilidade dentro da espécie, pois as plantas do sul de Espanha são menos azuis e têm folhas mais estreitas e espinhentas. A própria Flora Ibérica (o volume correspondente é de 2003), embora não reconheça quaisquer subespécies ou variedades, recomenda que o assunto seja tirado a limpo com recurso a estudos moleculares. Ignoramos se alguém já seguiu a sugestão.

8 comentários :

ZG disse...

Ça pique beaucoup!!

Paulo Araújo disse...

Pois pica, mas só os distraídos que lhe passam a mão no lombo. Talvez "Azul com picos" fosse um título melhor.

bea disse...

Tão mas tão bonitos estes azuis bicudos. Por vezes, nas dunas da praia que frequento, surgem assim umas flores a azular, parecidas, talvez. Também lindas e espinhudas.

Carlos M. Silva disse...

Boa noite / bom dia a ambos.
Tenho assistido em silêncio de escrita à vossa viagem pelas montanhas 'míticas' das Astúrias.
Não lembro já ter fotografado este nas viagens que por lá fiz; apenas ..talvez um ..parecido (ou será igual?, possível!!!; pelo menos acho que está no Guia da Flora de Gredos) na Serra de Gredos.
E sim, mantenho em casa, desde há 4 anos, um destes azuis (suponho que seja o E. campestre) adquirido numa ida à feira de Barcelos (ou então algum híbrido), e de facto a senhora chamava-lhe simplesmente de azuis. Em todo o caso, seja ele quem for, é um maná para algumas espécies de moscas, de abelhas e de vespas, que antes nunca vira.

Aproveito este meu retiro do silêncio para vos desejar um período de festas a vosso contento.
Abraço.
Carlos

ZG disse...

Nas dunas deve ser Eryngium maritimum, também chamado cardo rolador...

Paulo Araújo disse...

Bom dia, Carlos.

O teu Eryngium deve ser um híbrido de jardim, pois o E. campestre não tem ponta de azul. Deduzo que a feira de Barcelos é visita obrigatória para quem goste de ter plantas no jardim (há muita gente que não gosta).

Um óptimo 2016 para ti. Estamos à espera da inauguração da "natureza alargada".

Abraço,
Paulo

Carlos M. Silva disse...

Eih pá ..demorei uns segundos, Paulo, e em suspensão, a perceber o da 'natureza alargada'.
Está vazio e estará, penso eu de que..pois logo depois de o abrir, decidi-me pela página do FB - sim, ..rendi-me ..!!! podes dizer..- para tudo o que fui e venho fotografando fora de casa. Portanto ..as coisas estão (muito parcialmente) noutra parte do universo.
Abraço mais uma vez para ambos.
Carlos
NOTA: sim, quase de certeza um híbrido pois tem um azul não muito intenso mas que é ainda azul (e não o marítimo, obviamente); mas tem-me sido fiel, pelo menos o quase único que sobreviveu, com floração todos os anos!!! E embora numa berma da estufa (a descoberto) lá está e estará para o ano.

Nazaré Oliveira disse...

Continuação das maiores felicidades para este magnífico blogue que sigo, há muito tempo, no meu.

Um abraço


Nazaré Oliveira