05/09/2017

Pensamentos roxos



Viola bubanii Timb.-Lagr.


Tal como o sedentarismo provoca a obesidade, também a domesticação fez inchar as violetas de forma doentia, a ponto de elas renegarem as origens e passarem a chamar-se amores-perfeitos. Houve um tempo em que essas flores, banalizadas em canteiros geométricos e arrumadinhos, eram o epítome do kitsch, do colorido extravagante, do gosto preguiçoso e padronizado. O que ofendia não era cada amor-perfeito em si (embora alguns exagerassem nas cores e no tamanho) mas o uso desregrado dessas flores e a ausência de quase tudo o resto. Porém essa fase, que durou décadas, pretence ao passado, e hoje em dia já compensa gastar tempo a admirar amores-perfeitos nos poucos locais onde ele resiste. Não passou a haver maior variedade de flores em espaços públicos, muito pelo contrário, mas agora o que se vê são petúnias. Petúnias de todas as cores e só petúnias, em jardins públicos, em floreiras à porta dos restaurantes, em rotundas pequenas e grandes, em tristes varandas suburbanas.

Os amores-perfeitos pertencem ao género Viola, e foram criados ao longo dos séculos XIX e XX, por hibridação e selecção, a partir de espécies como a Viola tricolor, Viola lutea e Viola altaica. O nome violeta, usado para designar as pequenas flores silvestres, pareceu aos horticultores insuficiente para abarcar as novas e avantajadas flores de jardim. Daí que cada língua tenha inventado para elas um termo novo mais ou menos evocativo: em português amores-perfeitos, em francês pensées, em castelhano pensamientos, em inglês pansies. Tirando o nome português, os outros têm a mesma raiz, e derivam todos do nome francês: "pansy" resulta da tentativa (falhada) dos ingleses de dizer "pensée", e até nestas coisas de flores foram os franceses, e não os espanhóis, que estiveram na raiz do pensamento.

O pensamento, na acepção castelhana do termo, deveria pois referir-se apenas às violetas cultivadas. No entanto, a crer no portal Anthos, há quem assim designe também as violetas silvestres. Ainda que seja educativo lembrar que essas velhas aristocratas descendem de floritas plebeias, é pena que se perca, na linguagem corrente, a diferenciação entre as duas linhagens. Mas esse é um problema dos espanhóis, não nosso.

Problema nosso é que esta violeta ou pensamiento de flores tão distintivas, de seu nome Viola bubanii, que acenando-nos numa berma de estrada nas Astúrias nos obrigou a uma paragem de emergência, também deveria existir em Portugal, no Parque de Montesinho, e nos últimos anos ninguém tem dado por ela. Será que apenas por cá esteve em visita efémera, na década de 1980, para que Carlos Aguiar pudesse então assinalá-la [PDF — ver pág. 133] como novidade para a flora portuguesa? Também em Espanha ela não é abundante, distribuindo-se muito esporadicamente pelas montanhas de Orense, Léon e cordilheira cantábrica, e atravessando com dificuldade a fronteira francesa.

Para uma violeta silvestre, a V. bubanii tem flores grandes, de 2 a 3 cm de diâmetro, que se apresentam com um ar muito vertical e empertigado, rematadas por um esporão cónico bem afiado. É uma planta perene, de solos ácidos, que vive em prados de montanha ou, a altitudes mais baixas, sob abrigo de matos em sítios com alguma humidade.

3 comentários :

Rita Maria disse...

Em Alemão os amores-perfeitos têm um nome muito original, e que me parece desviar dessa raiz: Stiefmütterchen, ou seja, sogrinha.

(Embora toda a gente os conheça simplesmente assim, fui confirmar e a designação correcta é Pequena sogra selvagem para a Viola tricolor, Wilde Stiefmütterchen, e pequena sogra de jardim, Gartenstiefmütterchen, para o amor perfeito)

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário. Dá para deduzir que os alemães têm mais carinho pelas sogras do que, por exemplo, os brasileiros (que chamam almofada-de-sogra a isto).

bea disse...

É linda demais.