Antes que a chuva caia
A rocha calcária, pela sua menor dureza, presta-se a ser moldada pelas forças da natureza em formas muito mais caprichosas e acidentadas do que o granito. Mas esse trabalho de escultor decorre numa escala temporal que não é a nossa. Tudo o que é rocha nos parece eterno, e as abruptas paisagens cantábricas exploradas no último quartel do século XIX pelo botânico Edmond Boissier e pelos seus companheiros não são muito diferentes daquelas que podemos ver na segunda década do século XXI. É certo que há estradas e estâncias de esqui que nos permitem sem esforço chegar a muitos cumes, mas o recorte dessas montanhas não foi desfigurado por uma invasão de ventoinhas. E, nos interstícios das mesmas imperturbáveis rochas, parecem morar, indiferentes ao passar dos anos, as mesmas plantas que os nosso antecessores viram e catalogaram. Como esta Draba dedeana que Boissier, por a ter descrito a partir de material em más condições colhido por outrem, julgou ter flores amarelas como a Draba aizoides.
Talvez os aficionados de rock gardens prefiram a versão amarela à versão branca, mas os completistas hão-de querer tê-las das duas cores. Ambas têm uma folhagem muito característica, formando almofadinhas compactas eriçadas de pêlos. Nos cumes tempestuosos onde é costume acoitarem-se, é raro as flores poderem exibir a sua simetria perfeita sem que uma chuva desatada venha despenteá-las. As fotos que ilustram o texto foram tiradas no Picon del Fraile, quando as nuvens negríssimas ultimavam os preparativos para o granizo que iria desabar minutos depois. Vida bem diferente, rodeada de confortos burgueses, levam as plantas que migraram para jardins situados às vezes noutros continentes.
Sem os bons ofícios do comércio hortícola, a Draba dedeana, uma pequena planta vivaz com hastes até 8 cm de altura, nunca poderia ser vista fora da Península Ibérica, onde cresce nas montanhas do norte e do leste, sempre em rochas calcárias, e floresce de Março a Maio.