Antes que a chuva caia
Draba dedeana Boiss. & Reut.
Um artigo na revista inglesa The Alpine Journal, em que o sr. John Ormsby descreve a cadeia de montanhas dos Picos da Europa entre Santander e Oviedo, chamou a atenção do sr. Edmond Boissier, de Genebra. No decurso do mês de Junho de 1878, concebeu ele o projecto de visitar essa parte de Espanha e de lá passar para Portugal, país que nunca visitara, regressando pela serra de Gredos, uma alta cadeia montanhosa entre Portugal e Madrid. Propôs a viagem a dois dos seus amigos botânicos. Um favor desses nunca se recusa. (...)
Passando outra vez na mesma linha, mas de dia, chama-nos a atenção a estação de Pancorbo. As falésias verticais de rocha calcária que ali existem junto à via férrea merecem ser cuidadosamente exploradas. É lá que está assinalada a Draba mawii Hook f., ilustrada no Curtis's Botanical Magazine, vol. XXXI (1875), estampa 6186, descoberta em 1875 pelo inglês sr. Maw. A figura mostra as folhas lanceoladas e densamente ciliadas da planta, assim como as flores brancas com cálices nitidamente bordejados de vermelho. (...) Em nossa opinião, essa Draba mawii é a mesma espécie que a Draba dedeana, descrita mais de trinta anos antes nas Additions au voyage dans le midi de l'Éspagne, pág. 718. A Draba dedeana foi conservada no herbário de Faucher (adquirido por Boissier), tendo sido colhida por um senhor Dédé, botânico, a quem foi dedicada. Posteriormente, a mesma espécie foi colhida por Boissier e Reuter acima de Reinosa no Pico Cordel, em 1858, por Leresche, em 30 de Julho de 1862, nas montanhas mais a oeste no limite da parte superior da bacia do Ebro, e por fim, abundantemente, por Boissier, Leresche e Levier, em Julho de 1878 e 1879, nos Picos da Europa. A indicação petalis flavis dada por Boissier (loc. cit.) é um erro, pois a planta decididamente dá flores de uma linda brancura. O exemplar de Dédé estava velho, o que poderá explicar o erro sobre a cor das flores.
Louis Leresche & Emile Levier. Deux excursions botaniques dans le nord de l'Espagne et le Portugal en 1878 et 1879. Lausanne, 1880
A rocha calcária, pela sua menor dureza, presta-se a ser moldada pelas forças da natureza em formas muito mais caprichosas e acidentadas do que o granito. Mas esse trabalho de escultor decorre numa escala temporal que não é a nossa. Tudo o que é rocha nos parece eterno, e as abruptas paisagens cantábricas exploradas no último quartel do século XIX pelo botânico Edmond Boissier e pelos seus companheiros não são muito diferentes daquelas que podemos ver na segunda década do século XXI. É certo que há estradas e estâncias de esqui que nos permitem sem esforço chegar a muitos cumes, mas o recorte dessas montanhas não foi desfigurado por uma invasão de ventoinhas. E, nos interstícios das mesmas imperturbáveis rochas, parecem morar, indiferentes ao passar dos anos, as mesmas plantas que os nosso antecessores viram e catalogaram. Como esta Draba dedeana que Boissier, por a ter descrito a partir de material em más condições colhido por outrem, julgou ter flores amarelas como a Draba aizoides.
Talvez os aficionados de rock gardens prefiram a versão amarela à versão branca, mas os completistas hão-de querer tê-las das duas cores. Ambas têm uma folhagem muito característica, formando almofadinhas compactas eriçadas de pêlos. Nos cumes tempestuosos onde é costume acoitarem-se, é raro as flores poderem exibir a sua simetria perfeita sem que uma chuva desatada venha despenteá-las. As fotos que ilustram o texto foram tiradas no Picon del Fraile, quando as nuvens negríssimas ultimavam os preparativos para o granizo que iria desabar minutos depois. Vida bem diferente, rodeada de confortos burgueses, levam as plantas que migraram para jardins situados às vezes noutros continentes.
Sem os bons ofícios do comércio hortícola, a Draba dedeana, uma pequena planta vivaz com hastes até 8 cm de altura, nunca poderia ser vista fora da Península Ibérica, onde cresce nas montanhas do norte e do leste, sempre em rochas calcárias, e floresce de Março a Maio.
1 comentário :
A draba é uma lindeza posta assim em vasos de rocha calcária, beleza natural e singela a enfeitar cumes inóspitos batidos de chuva e granizo. Há por vezes uma doçura acéfala no mundo natural.
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