29/09/2018

Marcetella, menino ou menina?

Subíamos nós a pé por uma estrada íngreme que liga Los Silos a Tierra del Trigo, em Tenerife, quando avistámos na berma um arbusto elegante e ramoso, de folhas glaucas e pinadas, dispostas em rosetas muito vistosas. Parecia enfeitado com espigas pendentes de flores diminutas e sésseis, cabeludas mas sem pétalas, protegidas por sépalas em tom verde escuro com matizes rubros. Viam-se também cachos de frutos que nos lembraram sâmaras de ulmeiro ou de Sanguisorba. A embelezar o conjunto notava-se uma curiosa penugem avermelhada nos talos superiores.



Marcetella moquiniana (Webb & Berthel.) Svent.
Depois de amplamente registado em foto, reiniciámos a caminhada, mas estacámos de imediato: ali estava outro arbusto semelhante, mas não igual: a folhagem não era tão azulada, as sépalas eram bastante mais reviradas e a cor dominante era o verde-amarelado; além disso, parecia dar frutos diferentes. Mas os frutos não eram frutos (eram flores ainda em botão) e tratava-se afinal da versão masculina do arbusto anterior — que, confirmámos depois, é de facto de uma espécie dióica.



O nome do género é uma homenagem do botânico sueco Eric S. Sventenius ao Padre Adeodat Francesc Marcet i Poal (1875-1964), estudioso da montanha de Montserrat, na Catalunha, que em 1903 iniciou um herbário exaustivo da flora desta região. A colaboração frutuosa entre Marcet e os botânicos Joan Cadevall, Carles Pau, Pius Font i Quer e Sventenius, entre outros, trouxe à lembrança o contributo notável que resultou da cooperação científica entre o Padre Miranda Lopes, de Vimioso, e os botânicos Gonçalo Sampaio, Júlio Henriques e A. X. Pereira Coutinho. O epíteto moquiniana refere-se ao naturalista francês Christian Horace Benedict Alfred Moquin-Tandon (1804–1863), que foi director do Jardim Botânico de Toulouse e, posteriormente, do Jardin des Plantes, e também co-autor de uma História Natural das Ilhas Canárias (1835–1844).

Marcetella, da família Rosaceae, é um género exclusivo da Macaronésia, com duas espécies conhecidas: a M. moquiniana das ilhas Gran Canaria, Tenerife e La Gomera; e uma espécie endémica na Madeira, M. maderensis (Bornm.) Svent., designação ainda provisória pois alguns estudos sugerem ser ela mais próxima do género Sanguisorba. Na nossa visita à Madeira não vimos nenhum exemplar dessa segunda Marcetella, que se afigura ser ainda mais rara do que a sua irmã das Canárias. Habita escarpas rochosas expostas do litoral e interior da Madeira, desde a Câmara de Lobos até ao Pico do Cedro, sem subir além dos 700 metros de altitude. Locais a explorar numa próxima visita ao arquipélago.

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