Habenaria tridactylites Lindl.
À medida que nos aproximamos dos trópicos, esbatem-se as diferenças entre as estações do ano. É verdade que, com as alterações climáticas, também nos climas temperados se assiste à descaracterização das estações intermédias — um exemplo eloquente é este Outono de 2018 que tarda em descolar do Verão. No entanto, as plantas que durante muitos milhares de anos evoluíram num certo clima continuam para já a comportar-se como se nada tivesse mudado. Mesmo com o tempo meteorológico às avessas, elas obedecem ao calendário para que foram programadas: há muitas mais flores na Primavera do que no Outono, e é na Primavera que as árvores ganham folhas novas, deixando-as cair no Outono. É assim na Europa continental, mas não nos arquipélagos da Macaronésia — onde, só para começo de conversa, não há árvores nativas caducifólias. Na Madeira são várias as plantas endémicas que florescem no Inverno, e nas Canárias ainda é maior o desrespeito pela convenção eurocêntrica que proíbe um Inverno florido. Em rigor, Inverno e Outono são, nessas ilhas, conceitos postiços.
Esta orquídea é uma das plantas que, nas Canárias, florescem nos meses que para nós são de Inverno; a semana entre o Natal e o Ano Novo é uma boa altura para a observar. Com duas únicas folhas basais, largas e achatadas, e uma haste esguia de 10 a 40 cm de altura sustentando umas tantas pequenas flores esverdeadas, não é das orquídeas mais vistosas, nem de cor mais apelativa. Pelas suas flores discretas e pelo aspecto geral, esta
Habenaria tridactylites canarina faz aliás lembrar as orquídeas açorianas do género
Platanthera. Tanto assim é que estas últimas foram inicialmente incluídas (em 1844, por Maurice Seubert, na sua
Flora Azorica) no género
Habenaria, erro que só seria corrigido em 1920 por Schlechter. Se atendermos aos detalhes, contudo, a orquídea das Canárias é bem diferente das açorianas: não possui folhas caulinares, e as flores, que estão dispostas de forma menos densa, têm o labelo dividido em três segmentos lineares que se assemelham a dedos longos e finos (daí o epíteto
tridactylites), além de apresentarem um esporão muito mais comprido.
Contando com sete orquídeas nativas, das quais apenas três são endémicas, as Canárias não são um destino prioritário para os orquidófilos: tanto em quantidade como em diversidade, qualquer ilha do Mediterrâneo, por pequena que seja, é incomparavelmente mais rica em orquídeas do que Tenerife — que é a maior das ilhas Canárias, nela ocorrendo todas as espécies de orquídeas presentes no arquipélago. Mas em Dezembro ou Janeiro não há, no Mediterrâneo ou na Europa continental, orquídeas silvestres para admirar, e um saltinho às Canárias para ver a
Habenaria tridactylites é um modo de amenizar a espera. Acresce que o género
Habenaria não está representado na flora europeia, o que significa que a orquídea-dos-três-dedos é totalmente diferente de qualquer orquídea que possamos encontrar na Europa. (Nisto a Europa faz figura triste, pois calcula-se que haja umas 840 espécies de
Habenaria distribuídas por zonas tropicais e subtropicais de todo o mundo, 240 delas só em África.)
Foi à vista dos ilhéus de Anaga, na ponta nordeste de Tenerife, que encontrámos pela primeira vez esta orquídea. Mas vimo-la depois, às vezes em grupos de largas dezenas, em muitos outros lugares da ilha, sobretudo em clareiras de matos em zonas de média ou baixa altitude.