04/09/2019

Lavanda-do-mar

Quando numa loja de flores se compra um ramo delas, é em geral ao talento de quem nos atende que confiamos a elaboração do adorno. Cabe-lhe, como artista embriagado pelo ar perfumado que rescende dos inúmeros molhos de flores à venda, escolher as flores, as cores e o arranjo que melhor se lhes adequa, enquanto o cliente lhe controla a euforia artística, não vá o ramo custar uma fortuna. No fim, acede a que o cliente escolha o papel que cobre os talos e o laço que os prende. Duas perguntas costumam, porém, anteceder este ritual: É para uma senhora? O que celebram? Deste modo, descarta a possibilidade de um evento fúnebre, o que exigiria contenção na conversa e no colorido da grinalda, e habilita-se a usar um código de etiqueta florística que atenta ao género e à idade do destinatário das flores. O que decretam tais normas? É difícil saber exactamente, mas parece que cada flor tem um significado preciso, e que os erros nesta matéria são imperdoáveis. Não se trata de evitar flores cor-de-rosa para os cavalheiros, dálias de cor púrpura para senhoras de meia idade ou violetas para crianças. A sociedade, fonte perene de embaraços, melindres e preconceitos, parece ter-nos imposto um padrão que nos permite atestar se um ramo é ou não ajustado a quem o recebe. Tudo se resolveria se se acabasse com essa venda de flores, presente perfeitamente substituível por um passeio num jardim.



Limonium puberulum (Webb) Kuntze




Neste âmbito, as flores do género Limonium não comportam riscos. São comuns em floristas porque, mesmo depois de secas, mantêm a rigidez do arco da inflorescência e a cor das sépalas; e ainda porque as flores são invulgares: parecem duas flores empilhadas, uma branca (de pétalas) e outra roxa (de sépalas) com textura de papel. Mas, na verdade, são flores acompanhantes: nos bouquets criam uma moldura, ou um ponto de apoio, para outras flores mais nobres (leia-se mais caras), sejam elas orquídeas, tulipas, íris ou narcisos. A arte, se questionada, decerto aduzirá boas razões para esta diferenciação entre as flores-operárias e as flores-fidalgas.

As lavandas-do-mar apreciam falésias e a beira-mar, e há mais de uma centena de espécies, muitas das quais são endémicas das ilhas Canárias. (A das fotos é um endemismo das ilhas de Lanzarote e Fuerteventura, fotografada na Playa de la Cantería, em Órzola.) Pouco diferem pelas flores, ou sequer nas folhas basais com formato de colher e frequentemente salpicadas de pintas brancas, restos de sal que ali se acumulam. Contudo, muitas delas são apomíticas, e o que nos parecem ser diferenças irrelevantes são de facto mudanças genéticas que estabilizaram, criando micro-espécies que só os especialistas conseguem destrinçar. A manterem-se as condições ideais que temos vindo a assegurar ao planeta para as alterações drásticas no clima, muitas desaparecerão das zonas costeiras; nas floristas não haverá substituto para elas.

1 comentário :

bettips disse...

Continuo a vir aqui (sou de flor perene, mesmo seca), a aprender, a ver.
Obg