26/05/2020

Sinos da neve

Numa visita à estância de esqui de Lunada, na Cantábria, no fim de Maio de 2018, tivemos oportunidade de ver plantas que se apressam a florir logo que a neve começa a derreter. São, em geral, herbáceas perenes, de pequeno porte, com folhas espessas de formato arredondado para captarem toda a luz disponível, e com pé longo para não ficarem rentes ao solo onde correriam o risco de se estragarem com o excesso de humidade. Esperam ter as flores fáceis de localizar, no que ajuda ter uma haste floral erecta e alta, e estar prontas para atrair a também recém-nascida, e decerto esfomeada, geração de polinizadores que ainda aprende a interpretar o mundo. Apesar de os dias já serem um pouco mais quentes no fim da Primavera, nesse ano havia ainda muita neve a uns 1350 m de altitude, e eram poucas as horas do dia sem nuvens a ensombrá-las. É talvez difícil detectar flores nestas condições, sobretudo se elas forem minúsculas e pouco coloridas. Mas as da Soldanella (cujas hastes não excedem os 12 cm de altura) jogam pelo seguro: são vistosas pela cor e pelo formato das pétalas.


Soldanella alpina L.
Todos nós conhecemos outras espécies com pétalas fimbriadas, ou corolas com franja,  embora só recentemente nos tenhamos questionado sobre o eventual benefício de florir com tais enfeites. Não demorámos, porém, a descobrir que já houve botânicos a investigarem esta questão. Num estudo a propósito das flores do género Trichosanthes (da mesma família que produz as abóboras, as melancias, os melões ou os pepinos), os autores propõem algumas respostas. Conjecturaram que este formato das flores estaria relacionado com a acção dos polinizadores, embora a origem e função da subdivisão das pétalas pudesse variar com as espécies. Compararam então espécies do mesmo género, umas com flores fimbriadas e outras não, de várias regiões com habitats distintos, e concluíram que os polinizadores noctívagos são especialmente atraídos para flores com orlas franjadas. O recorte das pétalas decerto aumenta o contraste entre as suas margens e a escuridão envolvente, e a área (ou a impressão dela) exposta ao polinizador. Quando este perfil se combina com uma tonalidade adequada, um aroma sedutor e o ondear das tirinhas ao vento, a visibilidade da flor e o sucesso da polinização estão garantidos. Talvez a confirmar a conjectura, a adaptação a polinizadores diurnos em algumas espécies levou à perda do carácter fimbriado das corolas.

O género Soldanella abriga umas 10 espécies cuja distribuição se restringe às montanhas da Europa. Em todas elas, as flores têm um hábito pendente, mais ainda se chove, protegendo desse modo o interior da flor. Pode ver aqui os frutos da S. alpina, e ainda imagens de mais três espécies.

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