Tomateiro nocturno
Solanum vespertilio subsp. doramae Marrero Rodr. & Gonzalez-Martin
Os frutos deste arbusto espinhento, que terá cerca de dois metros de altura, são pequenos tomates lustrosos, com uns dois centímetros de diâmetro, que, quando maduros, ganharão uma cor entre o vermelho e o laranja. Embora tais frutos não sejam verdadeiros tomates, e até é provável que sejam tóxicos e impróprios para consumo humano, a semelhança é indesmentível. Além do mais, o tomateiro genuíno pertence ao mesmo género botânico, Solanum, em que este endemismo das ilhas Canárias se inclui. Para lembrar que também no reino vegetal há famílias e relações de parentesco, não fica mal chamar tomateiro a todas as plantas do género Solanum, desde que não interpretemos tal liberdade como um convite para levar tudo à boca. À família Solanaceae, convém recordá-lo, pertencem algumas das plantas mais venenosas do planeta, como a Atropa belladona. E mesmo a erva-moira ou tomateiro-negro (Solanum nigrum), herbácea ruderal muito comum no nosso país, é capaz de provocar fortes dores de barriga a quem lhe comer os frutos.
O carácter nocturno do Solanum vespertilio é atestado pelo epíteto, que significa morcego em latim. Se nos valermos do cliché poético que associa a noite à morte, este tomateiro é também nocturno no sentido de ter estado no limiar da extinção. Ocorrendo apenas em Tenerife e na Grã-Canária, e extremamente raro em ambas, pequenas diferenças morfológicas levaram a que se distinguissem duas subespécies, cada qual em sua ilha. A subespécie doramae, da Grã-Canária (nas fotos), estava reduzida, em 2009, a uma única população natural, composta por apenas três exemplares adultos e sem sinais de estabelecimento de plantas jovens. Confinada a um pequeno nicho no barranco de Azuaje, no norte da ilha, a quase extinção da planta ter-se-á devido à herbivoria, hoje controlada, e à expansão da vegetação exótica. Embora este tomateiro floresça e frutifique normalmente, produzindo sementes viáveis, o habitat em que se havia refugiado apresentava-se degradado e era-lhe pouco favorável.
Em 2009, o Governo das Canárias deu início a um programa de recuperação da espécie que envolveu restauração do habitat, que agora é área de protecção total com acesso condicionado, e reprodução por sementes, em viveiro, para posterior reintrodução na natureza. Este socorro in extremis terá dado bons resultados, pois uma das novas populações então criadas, na reserva natural de Los Tilos de Moya, está hoje firmemente estabelecida. A reserva, de acesso livro para visitantes, alberga uma das últimas amostras de laurissilva da ilha, e num curto percurso circular pode apreciar-se, à sombra dos "tilos" (= Ocotea foetens; em português til, plural tiles), uma boa amostra da flora das Canárias, incluindo as orquídeas Gennaria diphylla e Habenaria tridactylites. O Solanum vespertillo aparece na encosta mais soalheira, quando as lauráceas dão lugar a um mato xerófilo de urzes e tabaibas, entremeadas com muitas serralhas gigantes (Sonchus sp.), romaninhos (Lavandula sp.) e suculentas arbustivas do género Aeonium. Proliferam também, infelizmente, invasoras como Oxalis pes-caprae e Ageratina adenophora.
Ainda que a sua silhueta não seja um modelo de elegância, o Solanum vespertilio dá flores de fazer inveja às mais finas plantas de jardim. São flores grandes, de um bonito contraste entre o amarelo dos estames e o lilás das pétalas, sendo estas bordejadas por um friso ondulado que se diria cerzido por mão de costureira, coisa que não se vê em nenhuma outra espécie do género.
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