Belas adormecidas
As plantas que sincronizam o seu ciclo de vida com o do pastoreio ou o da agricultura tendem a depender tanto dessa ajuda como de um clima sem grandes imprevistos. Essas tarefas, quando não intensivas nem regadas a herbicida, arejam o solo, erradicam saudavelmente plantas competidoras e impõem pousios que aliviam o desgaste natural da terra. Mas com a lavoura mecanizada, que revolve os torrões com a agilidade de uma colher na sopa, e com as mudanças no clima, as plantas precisam de maior cautela. A umbelífera que vos mostramos hoje, anual e pequena (não vai além dos 40 cm de altura), tem um truque adicional para lidar com as más notícias do seu habitat. As sementes formam-se antes das colheitas mas, se o tempo não está de feição, se há indícios de que o campo está sob ameaça ou se a competição entre as novas plantas e as já adultas se torna melindrosa para a espécie, então as sementes adormecem. Isso mesmo: enquanto a humanidade se afadiga em atrasar a morte e em promover a natalidade, estas plantas dominam um relógio formidável que adia o começo da germinação, tendo até em conta o benefício que isso possa trazer às plantas-mães.
Durante o sono, as sementes mantêm-se viáveis, até que (passados por vezes muitos anos) haja sinais, anunciados sabe-se lá por que meios, de que a probabilidade de um embrião sobreviver aumentou. Enquanto dormem, podem dispersar-se, colonizando depois novos locais, o que talvez justifique a maior incidência de novas espécies entre géneros que dominam este estratagema. Curiosamente, há quem afirme que esta é uma solução para as longas viagens interplanetárias, de mudança dos habitantes da Terra para outros mundos.
As espécies que afinam o seu ciclo com a evolução do ambiente não servem para jardins, por não se vergarem à impaciência dos que anseiam pela floração exuberante em vasos e canteiros. Mas é esta habilidade que favorece, por exemplo, a produção de cereais em grande escala. O banco de sementes que assim se cria assegura que os frutos não germinam todos num mesmo outono de temporais catastróficos, evento que condenaria futuras gerações de plantas.
Há outros indícios de que a Turgenia latifolia, que aprecia olivais em solo calcário, é medrosa mas sabe proteger-se. As flores de pétalas rosadas não têm sépalas mas as umbelas nascem num ninho de ganchos macios, que mais tarde endurecem e ajudam a disseminar os frutos. Percebe-se mal que, sendo assim talentosa e de distribuição vasta pelo centro e sul da Europa, Ásia e norte de África, seja afinal tão rara em Portugal, onde só há registo de uma população, e com escasso número de exemplares.
2 comentários :
Este é um texto esplêndido para uma silvestre tão simples. Peço-lhe autorização para o copiar para o meu mural do face com as devidas referências.
Obrigada pelo seu apreço. Pode copiar, claro.
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