02/01/2022

Rabaça dos charcos

Apium inundatum (L.) Rchb. f. (= Helosciadium inundatum (L.) W. D. J. Koch)


No planalto de Miranda a chuva é escassa e, no Verão, as altas temperaturas são um castigo difícil de suportar. O arvoredo é esparso, dominado por azinheiras (Quercus rotundifolia) que aprenderam a viver com a aridez e a canícula. Alguns cursos de água cruzam preguiçosamente o planalto, quase todos temporários e de reduzido caudal. Há ainda charcos, naturais ou artificiais, que, enquanto sustêm água, são focos de vida e de diversidade. Perto de Vila Chã de Braciosa, corre um ribeiro num leito granítico claramente definido, assinalado por pequenas pontes nos locais onde cruza alguma estrada. O período em que a água flui é breve: ainda a Primavera não terminou e o que se vê é uma sucessão de charcos onde se desenvolve uma flora típica de águas estacionárias, em geral de surgimento efémero. As plantas que buscam esses instáveis habitats são, algumas delas, raras ou até únicas em Trás-os-Montes, ou mesmo no norte do país. De fácil detecção, por cobrir uma extensa área e ter um aspecto inconfundível, é o Eryngium corniculatum, um cardo-azul frequente em charcos no Alentejo e no Algarve mas raríssimo a norte do Tejo. Também da família das umbelíferas mas muito menos chamativo, com caules delgados e flores e folhas de poucos milímetros de diâmetro, é o Apium inundatum (fotos acima). Trata-se de uma planta aquática anual que sempre foi rara no nosso país e parece estar hoje restrita ao planalto mirandês e aos arrozais do baixo Mondego. Talvez por falta de material de herbário, ou simplesmente por lapso, o revisor do género Apium para a Flora Iberica (vol. X, 2003) nem considera que a espécie, cuja distribuição global abrange o norte de África e grande parte da Europa, exista em Portugal.

Em compensação, o Apium nodiflorum, conhecido popularmente por rabaça, é frequente em todo o país, em fontes, charcos e leitos de ribeira. Tem folhas pinadas muito maiores, com grande número de folíolos, e não há confusão possível entre os dois congéneres. Sucede que, em nome do rigor taxonómico, várias espécies hidrófitas do género Apium, entre elas Apium inundatum e A. nodiflorum, têm sido transferidas para o género Helosciadium, um nome bem mais problemático de memorizar. Se aceitarmos a mudança, o aipo comum (A. graveolens), que vive à beira-mar e não tem o mesmo gosto por lugares encharcados, fica a ser o único representante do género Apium na flora portuguesa. Para nos habituarmos a tão arrevesado nome, foi descrito em 2020 o Helosciadium milfontinum, endemismo da costa alentejana (o epíteto refere-se a Vila Nova de Milfontes) antes confundido com o Helosciadium repens (= Apium repens), espécie que agora se supõe não existir em Portugal.

1 comentário :

bettips disse...

Precisamos cada vez mais de tudo o que se regenera, em verde, em esperança. Abçs