Nova linária do Sul
Na maioria das Floras, as espécies estão organizadas por ordem alfabética dentro dos respectivos géneros e famílias. Esta opção editorial serve sobretudo quem, face a uma planta que desconhece, já possui indícios sobre qual a família ou o género a que a planta pertence, faltando-lhe apenas identificar o epíteto específico. Todavia, há guias ilustrados que agrupam as plantas pela coloração das flores. Em tais livros, as margens das folhas são elas mesmas coloridas, servindo quase como índice remissivo. Mas como é que se identifica a cor de uma flor? Em inúmeros exemplos a tarefa é simples porque a coloração é homogénea. Veja-se o caso da Linaria spartea, em que não há dúvidas de que as flores são amarelas, ou o da Linaria aeruginea em que são obviamente vermelhas. Mas se agora considerarmos a Linaria pedunculata ou a Linaria tursica que cor devemos entender como dominante, o roxo do esporão ou o amarelo do labelo? E as flores da Linaria argillicola, da cor do fogo, em que cor primária se enquadram?
Por razões que desconhecemos, cada espécie do género Linaria tem uma assinatura de cor que a distingue das demais, ainda que se notem padrões comuns às várias espécies (como os veios mais escuros nos esporões). Mas nem sempre esta distinção é inequívoca. Durante anos, no sudeste algarvio, muitos julgaram ver a Linaria amethystea subsp. amethystea (espécie de distribuição ampla em Portugal e sujeita a alguma variabilidade morfológica, como se confirma aqui), quando de facto se tratava de uma outra espécie, que coabita no sudoeste da Península Ibérica com a anterior mas que, até há poucos dias, não tinha nome. Trata-se afinal de um endemismo das províncias de Huelva e Sevilha, em Espanha, e do sudeste de Portugal. Um artigo
publicado no fim de Fevereiro (de que podem ler um resumo nesta página) elabora uma comparação entre esta nova linária e três outras morfologicamente próximas, baptizando-a como Linaria pseudamethystea.
E só agora é que se reparou nisso?, pergunta o leitor indignado. Na verdade, plantas desta nova linária foram colhidas pela primeira vez em Castro Marim, no ano de 1847, por Frederich Welwitsch (naturalista austríaco que entre 1853 e 1860 realizou uma viagem notável de exploração botânica a Angola), e bem mais recentemente, em 2022, pelo botânico português João Farminhão, que depositou exemplares no herbário da Universidade de Lisboa (LISU); entre essas datas outros exemplares foram sendo depositados em diversos herbários nacionais, sempre com a identificação errada. Tanto o austríaco como o português notaram bem as diferenças desta linária com a L. amethystea subsp. amethystea, mas a descrição formal da nova espécie acabou por ser publicada por botânicos espanhóis trabalhando nas universidades de Granada e de Almería. Afinal, a botânica desconhece fronteiras e, apesar da sua distribuição restrita, esta linária ocorre nos dois países vizinhos.
Para completar a história deste equívoco sobre linárias, permita, caro leitor, que lhe confessemos que também nós já tinhamos encontrado esta recém-descrita linária. Em Fevereiro de 2015, num passeio nas margens da ribeira da Foupana, deparámo-nos com uma linária que suspeitámos não ser apenas uma variação da L. amethystea subsp. amethystea. Não sendo botânicos e desconfiando até das nossas dúvidas, guardámos as fotos dessa planta na pasta das espécies por identificar. Sabemos agora que podemos chamar-lhe L. pseudamethystea, e assim o mundo está mais bem arrumado.
2 comentários :
São tão bonitas e delicadas...
E, por um acaso, conheço a ribeira da Foupana, sem que, é claro, tivesse encontrado alguém da família. Ou não fosse eu apenas uma contempladora "acidental", aqui servindo-me à vontade.
Abçs
Mais uma antirrínea fascinante (recentemente descrita), nova para o Sul de Lu!!
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