21/10/2023

Orejas de Los Muchachos



Uma revisão exaustiva do género Cerastium nos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias, publicada em 1966, identificou três espécies endémicas perenes na Macaronésia com acentuadas semelhanças morfológicas:

(a) Cerastium azoricum, endemismo dos Açores cuja distribuição se restringe às ilhas das Flores e Corvo. Aprecia rochas e ravinas húmidas desde a costa até altitudes acima dos 500 m. Floresce entre Maio e Julho.

(b) Cerastium vagans var. vagans, endémica da ilha da Madeira, planta rara que vive em escarpas rochosas na zona montanhosa central, entre os 900 e os 1800 m de altitude, onde a chuva é moderada durante quase todo o ano e não há grandes variações de temperatura. As flores são de Verão, entre Julho e Agosto.

(c) Cerastium sventenii, endemismo das Canárias com presença apenas confirmada em El Hierro, La Palma e Tenerife. A floração decorre entre Maio e Julho e as inflorescências contêm 6 a 8 flores. Habita paredes rochosas húmidas em bosques temperados de alta montanha entre os 1500 e os 2400 m. As fotos do C. sventenii são do Roque de los Muchachos, o pico rochoso mais alto de La Palma e que fecha a caldeira do vulcão Taburiente a norte. Os exemplares em flor estavam a cerca de 2400 m de altitude, mas nessa altura (era Maio) a maioria das plantas que vimos não tinha ainda iniciado a floração.

Cerastium sventenii Jalas


As plantas destas três espécies são hirsutas, com ramos erectos, folhas lanceoladas opostas e flores de pétalas brancas mais longas do que as sépalas. Têm ainda em comum o facto de serem espécies ameaçadas, seja por perda de habitat seja pela herbivoria, sobretudo por cabras que se empinam facilmente nas falésias e não resistem às ervas verdinhas. Contudo, há também diferenças a assinalar, sobretudo entre a espécie açoriana e as outras duas, e essencialmente no que se refere aos requisitos climáticos e de habitat. O autor do tal estudo, Jaakko Jalas, mais atento à anatomia das plantas, notou que as folhas da espécie açoriana são mais largas, com uma nervura central de secção triangular (circular no caso do C. sventenii, com um formato intermédio no C. vagans); e também que os cálices das flores açorianas são ligeiramente maiores, embora, em contrapartida, as inflorescências sejam menos vistosas e as sementes bastante mais pequenas. Tamanhos e preferências ambientais à parte, parece estar por fazer um moderno estudo genético de comparação entre estas três espécies, e também entre elas e algumas orelhas-de-rato europeias (como o C. arvense ou o C. gibraltaricum, candidatos a parentes próximos), para se conhecer a origem das plantas da Macaronésia e se obter uma identificação segura destes endemismos.

Curiosamente, no artigo em que se reporta o referido estudo taxonómico é mencionada a presença de uma população de Cerastium na ilha de São Jorge, registada por Tutin e Warburg em 1932 como C. vagans var. ciliatum. Não foi reencontrada depois disso, mas não deixa de ser uma boa notícia, ainda que algo atrasada, e que nos fará agendar trabalho de campo para uma próxima visita a esta ilha.

1 comentário :

ZG disse...

Curiosa planta e belas paisagens!!