Plantas do rés-do-chão
Com a vulgarização dos telemóveis inteligentes, muito gente, para não perder pitada das novidades personalizadas que o algoritmo lhe fornece a cada instante, passou a andar sempre de pescoço vergado. Além do desgaste da visão associado a esse comportamento obsessivo, é de recear que tal vício de postura provoque a médio prazo dolorosas lesões musculares ou ósseas. Contudo, e há muito mais tempo do que os ditos aparelhos, existem profissões que também induzem os seus praticantes a manter o pescoço dobrado por períodos nocivamente longos. Uma delas é a de botânico especializado em plantas pequeninas, dessas que crescem rentes ao chão — se bem que observar de baixo a copa de árvores descomunais como sequóias ou araucárias também possa provocar torcicolos. Cá por casa gostamos de plantas pequenas, médias ou grandes, pelo que curvamos o pescoço em todas as direcções. Sendo nós amadores, esse exercício não é tão assíduo como gostaríamos, o que acaba por ser benéfico para a nossa saúde.
É de plantas rasteiras avistadas na província de Almeria que trata este texto, e uma óbvia vantagem da pequenez é que num único fascículo conseguimos acomodar quatro espécies.

O Aizoon hispanicum é uma herbácea anual algo suculenta, de caules ramificados que não excedem os 25 cm de comprimento, com flores brancas de uns 2 cm de diâmetro, que vive em terrenos secos e pedregosos da região mediterrânica. Um dos nomes que lhe quiseram dar em português, estrelinha-das-arribas, justifica-se pela sua ocorrência (ainda que rara) no litoral algarvio e pela sua acentuada predilecção por zonas costeiras. No nordeste da Península Ibérico, porém, ela aventura-se bem longe do mar, ao longo do vale do rio Ebro.


Versão abreviada da erva-vaqueira (Calendula arvensis), tão comum em pomares e orlas de campos de cultivo, a Calendula tripterocarpa partilha as preferências de habitat com a espécie anterior, tanto que a encontrámos no mesmo local. O que é inteiramente apropriado, pois Almeria é a única região europeia onde a planta é conhecida. De resto, a sua área de distribuição abrange Marrocos, Argélia, Tunísia e Israel; e, embora ela tenha sido igualmente assinalada nas Canárias, uma revisão do género Calendula, publicada em 2024 por quatro botânicos portugueses e um espanhol, concluiu que o que existe no arquipélago é uma espécie próxima mas distinta, endémica dessas ilhas.

É quase indesculpável que uma planta tão bonita como o Tripodion tetraphyllum, ademais tão frequente em paragens algarvias, tenha sido obrigada a esperar pela nossa viagem a Almeria para finalmente, com dez ou vinte anos de atraso, a exibirmos no escaparate. A desculpa, claro, é que o desfasamento entre as nossas viagens a sul e a data de floração da planta não nos permitia observá-la no seu melhor momento. Agora que o enguiço foi quebrado, cumpre-nos deixar um conselho aos nossos leitores: quem não queira sofrer frustração como a nossa deve programar as suas idas ao Algarve (ou a Almeria, por que não?) para Março ou Abril.

Mais uma leguminosa, e mais uma planta norte-africana que foi capaz de meter uma lança na Europa, mas só em Almeria. Fácil de ignorar por ser minúscula e confundível, a um olhar distraído, com alguma espécie de Lotus, a Lotononis lupinifolia parece ser sumamente rara, não havendo dela registos recentes nos dois países magrebinos (Marrocos e Argélia) onde se presume que exista. O epíteto lupinifolia é certeiro, pois as folhas digitadas compostas por cinco folíolos são iguaizinhas às dos tremoceiros (género Lupinus). O género a que a planta pertence tem suscitado alguma controvérsia: descrita em 1838, pelo botânico suiço Pierre Boissier, como Leobordea lupinifolia, em 1843 o inglês George Bentham arrumou-a no género Lotononis (amálgama de Lotus e Ononis), e em 1923 o espanhol Carlos Pau quis fixá-la no género Amphinomia, inventado por De Candolle (outro suiço) um século antes. Durante muitos anos, e como atesta a Flora Iberica, foi a proposta de Bentham que teve melhor acolhimento; mas as referências mais recentes (entre elas o Plants of the World Online e o EuroMed Plantbase) têm dado primazia ao nome original. Curiosamente, das cerca de cinquenta espécies que perfazem o género Leobordea, pelo menos quarenta estão confinadas à África do Sul.