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10/10/2017

Malva das ilhas douradas


Lavatera olbia L.


As ilhas douradas são as de Hyères, na Riviera francesa, destino de veraneio para gente abastada, um eterno pôr-do-Sol numa esplanada com palmeiras, brisa tépida, mar rumorejante embalando iates adormecidos. Foi lá, dois séculos antes de o turismo ser inventado, que esta Lavatera olbia ganhou o nome que hoje ostenta. Olbia era o nome grego da cidade de Hyères, e nestas coisas da taxonomia botânica já Lineu dava o exemplo ao preferir um nome obsoleto, numa língua morta, à designação vernácula. O que neste caso pode dar confusão, pois existe na Sardenha uma cidade que ainda hoje se chama Olbia, mantendo esse nome desde os primórdios da civilização helénica.

O postal turístico do Mediterrâneo exclui a chuva. Talvez a água que corre das torneiras e enche piscinas não venha do céu, mas de mananciais subterrâneos inesgotáveis, que não têm necessidade do mau tempo (como chamam os jornalistas aos dias de chuva) para serem recarregados. É com surpresa que aprendemos que esta Lavatera olbia, mediterrânica de baptismo, gosta de sítios com alguma humidade ou mesmo encharcados, como sejam as margens de pequenos rios ou ribeiras. Haverá tal coisa nas ilhas de Hyères, a maior delas com 7 Km de comprimento? Talvez a proximidade da água doce não seja, para esta malva, um requisito essencial. Lembramo-nos de a ver, há meia dúzia de anos, junto à ribeira da Fórnea, na serra dos Candeeiros. Nessa altura, como quase sempre, nenhuma água corria no leito pedregoso, mas a memória do efémero caudal de Inverno era suficiente para atrair umas tantas plantas higrófilas. O segundo encontro, em Alcobaça, aconteceu num mês de Maio chuvoso, com ribeiras extravasando dos leitos e inundando caminhos, e já não pudemos duvidar da predilecção deste arbusto pela água.

Arbusto muito ramificado, capaz de atingir dois metros e meio de altura, com flores de 5 a 7 cm de diâmetro, a Lavatera olbia, que se dá melhor em substratos calcários ou argilosos, ocorre na metade oeste da bacia mediterrânica, tanto no norte de África (Árgélia, Marrocos, Tunísia, Líbia) como na Europa (Itália, França, Espanha e Portugal). No nosso país está assinalada na Beira Litoral, Estremadura, Alentejo e Algarve. Pode confundir-se com a L. arborea, que no entanto é de menor porte, menos ramificada, apresenta flores com uma coloração diferente (as pétalas têm uma mancha escura, quase negra, na base), e prefere (embora não exclusivamente) areias litorais.

08/10/2016

Salsifis

As plantas do género Tragopogon têm inúmeras designações populares graças ao seu uso em culinária. Comecemos pelas de língua inglesa. O nome do género (do grego tragos, bode, e pogon, barba, em alusão ao enorme fruto com penachos cedosos) terá sugerido ou sido escolhido a partir de goatsbeard. Mas como as flores se fecham ao meio-dia, jack-go-to-bed-at-noon é também uma alcunha que lhes atribuem. Porém, é muito mais vulgar ouvir-se tratá-las por salsify, a que se acrescenta um qualificativo (common, meadow, western, wild, woolly, pasture, yellow, purple) para se distinguirem as várias espécies. Procurámos num dicionário a etimologia desta palavra, mas sem sucesso, pois lemos que deriva do francês salsifis ou do italiano salsefica, ambos de origem desconhecida. Certo é que o género é comum em alguns locais na Europa e Ásia, onde ainda se cultiva para se consumirem as longas raízes (que, dizem os entendidos, sabem a ostra), os talos, as folhas finas como relva, a seiva leitosa, as flores ou as sementes. No livro Portugal Botânico de A a Z (de Francisca M. Fernandes e Luís M. Carvalho), a designação vernácula adoptada para as espécies de Tragopogon aí listadas é cersefi, palavra que soa a uma variante fonética de salsify. Curiosamente, o nome salsifi é reservado nessa obra para a Scorzonera hispanica, de cujas raízes (com casca escura e miolo branco) cristalizadas se faz (ou fazia) no Alentejo uma guloseima, conhecida como escorcioneira, que mereceu a distinção de constar na Ark of Taste, uma versão da arca de Noé para alimentos bem concebidos e realmente saborosos.


Tragopogon porrifolius L.



Vimos o T. porrifolius em Maio junto a Alcobaça, com a ajuda do João Gomes. As hastes florais são altas de um metro e meio, e as flores (ainda as vimos abertas, era de manhã) medem uns 5 cm de diâmetro.


Tragopogon crocifolius L.


Tragopogon dubius Scop.
Estas duas outras espécies têm porte mais modesto e foram fotografadas em Junho, numa berma de estrada junto a um prado em Macedo de Cavaleiros forrado de orquídeas, galocristas e rainhas-dos-prados. Como se pode ver, a cor das flores neste género varia bastante. Os botânicos que as estudam asseguram que as espécies de Tragopogon hibridam com facilidade, havendo reconhecimento recente de novas espécies na natureza, poliplóides para poderem ser férteis, originadas por cruzamento espontâneo entre T. dubius e T. porrifolius, ou entre T. dubius e T. pratensis.

15/10/2005

Nova arena para arboricidas

Aqui vai nascer um novo jardim: esta terá sido uma das promessas que levaram a população de São Martinho do Porto, no concelho de Alcobaça, a votar na reeleição de José Gonçalves Sapinho como Presidente da Câmara. E o edil honrou a sua palavra: logo na terça-feira, dois dias após as eleições, deu ordens, «no âmbito de um projecto de requalificação urbana que prevê a construção de um jardim no local», para abater os cinquenta plátanos no largo central da vila (notícia completa em rtp.pt).

Fico transido diante de tamanha barbaridade: é o imorredouro país arboricida que ressurge em toda a sua grotesca pujança, com a triste ironia de o pretexto ser desta vez a construção de um jardim. Seria apropriado que só houvesse, no novo jardim, relva sintética e plantas artificiais, com umas poucas flores de plástico para quebrar a monotonia, mas temo que tal ideia não seja aceite: o arboricida contumaz, à semelhança do toureiro-matador, precisa de uma arena para exercer a sua vocação, e só é feliz ao som da motosserra. Plantem-se pois para ele as árvores no jardim, como se criam na ganadaria os touros para a festa brava (só que as árvores não podem reagir contra quem as destrói).

Segundo a notícia citada, não parece que o Presidente da Câmara tenha actuado contra a vontade da maioria da população. Há aliás outros indícios de que ele é, na pulsão arboricida, uma fiel emanação do povo de Alcobaça, que o elegeu. Leia-se, por exemplo, esta passagem da entrevista, em Abril deste ano, do arquitecto Gonçalo Byrne - responsável por esta atroz requalificação em São Martinho do Porto e, em Alcobaça, pelo novo arranjo da zona envolvente do Mosteiro - ao jornal local Tinta Fresca:

«TINTA FRESCA - Se o projecto visava engrandecer e visualizar todo o mosteiro, porque não foram cortados todos os plátanos na praça D. Afonso Henriques?

GONÇALO BYRNE - No que respeita aos plátanos, actuámos por precaução eliminando apenas dois deles, mas é uma questão que está em aberto. Podemos removê-los em qualquer altura. Por outro lado, também é verdade que se o fizermos estamos a retirar sombras e as esplanadas no local podem perder bastante sem elas.
»

O Tinta Fresca não está sozinho nesta sua preocupação em remover os trambolhos dos plátanos. No blogue Terra de Paixão, o articulista, que se assina Alcobacense, discorre sobre o mesmo assunto:

«Plátanos da praça D. Afonso Henriques deverão ser podados, arrancados ou substituídos? Ou deverão antes morrer de pé?

Não sou a melhor pessoa para falar sobre este assunto, na medida em que sou contra a existência de plátanos nas cidades. São muito frequentes as alergias e os problemas respiratórios derivados deste tipo de árvores e em Alcobaça verifica-se essa situação. Na minha opinião seriam substituídos por um outro tipo de árvores de menor porte, que permitissem uma melhor visualização dos edifícios da praça. É uma das praças mais bonitas que conheço e é uma pena que esteja completamente escondida. Em termos de saúde seria também benéfico para todos, como referi anteriormente.»

O mesmo articulista arroga-se sabedor de podas, e recomenda à Câmara que ponha os olhos nos bons exemplos de outros municípios:

«Em relação às podas, é necessário e urgente podar quase a totalidade das árvores da cidade e do concelho. Todas as nossas árvores estão num estado lastimoso e necessitam deste tipo de intervenção. Vejamos os exemplos externos em que as árvores são podadas anualmente. Uma boa poda evita também problemas de quedas de árvores resultantes de ventos fortes.»

Mas esta história reserva para o final uma reviravolta edificante. Uma das consequências das obras no centro de Alcobaça é a preocupação, de que faz eco o nosso alcobacense, pela localização futura do monumento a três destacados membros de uma família da terra: Manuel, António e Joaquim Vieira Natividade. Saberá este inimigo dos plátanos que o grande agrónomo Joaquim Vieira Natividade foi entre nós um dos mais combativos e esclarecidos defensores da árvore na cidade? Que, contra gente como ele, escreveu coisas como esta:

«Compreende-se, num povo de fraca cultura, o desamor instintivo ao marmeleiro e ao castanheiro, árvores estas consideradas, desde remotos tempos, estimáveis ferramentas de educação e esteio dessa vida patriarcal, austera e digna, que os velhos, ao olharem o que vai pelo mundo, recordam com saudade e respeitoso enlevo. Já se não compreende, todavia, que se mutilem ou suprimam sem piedade o ulmeiro, o plátano, o umbroso freixo, o álamo esbelto, os nobres e austeros ciprestes, os cedros, os carvalhos e tantos outros soberbos gigantes vegetais que, estranhos, embora, muitos deles à nossa flora, encontraram na Lusitânia como que a sua segunda pátria.

Num país castigado por uma ardente canícula, dir-se-ia que temos horror à sombra; onde se pediam arvoredos frondosos e acolhedores, o ninho de um oásis a suavizar as inclemências do estio, fizemos terreiros imensos, cruamente ensoalheirados e inóspitos; quando tantos dos nossos monumentos lucrariam com uma nobre moldura vegetal que acarinhasse e aquecesse a frieza da pedra
(...)
»

É proverbial que ninguém é profeta na sua terra, mas este caso é peculiar: Alcobaça homenageia o profeta, mas faz o contrário do que ele pregou. Talvez nunca lhe tenha ouvido os ensinamentos: sabe tratar-se de um filho da terra que de tão ilustre até merece estátua, mas ignora por que razão é ilustre. Uma coisa tenho por certo: Joaquim Vieira Natividade ficaria estarrecido se voltasse hoje a Alcobaça.