Nova arena para arboricidas
Aqui vai nascer um novo jardim: esta terá sido uma das promessas que levaram a população de São Martinho do Porto, no concelho de Alcobaça, a votar na reeleição de José Gonçalves Sapinho como Presidente da Câmara. E o edil honrou a sua palavra: logo na terça-feira, dois dias após as eleições, deu ordens, «no âmbito de um projecto de requalificação urbana que prevê a construção de um jardim no local», para abater os cinquenta plátanos no largo central da vila (notícia completa em rtp.pt).
Fico transido diante de tamanha barbaridade: é o imorredouro país arboricida que ressurge em toda a sua grotesca pujança, com a triste ironia de o pretexto ser desta vez a construção de um jardim. Seria apropriado que só houvesse, no novo jardim, relva sintética e plantas artificiais, com umas poucas flores de plástico para quebrar a monotonia, mas temo que tal ideia não seja aceite: o arboricida contumaz, à semelhança do toureiro-matador, precisa de uma arena para exercer a sua vocação, e só é feliz ao som da motosserra. Plantem-se pois para ele as árvores no jardim, como se criam na ganadaria os touros para a festa brava (só que as árvores não podem reagir contra quem as destrói).
Segundo a notícia citada, não parece que o Presidente da Câmara tenha actuado contra a vontade da maioria da população. Há aliás outros indícios de que ele é, na pulsão arboricida, uma fiel emanação do povo de Alcobaça, que o elegeu. Leia-se, por exemplo, esta passagem da entrevista, em Abril deste ano, do arquitecto Gonçalo Byrne - responsável por esta atroz requalificação em São Martinho do Porto e, em Alcobaça, pelo novo arranjo da zona envolvente do Mosteiro - ao jornal local Tinta Fresca:
«TINTA FRESCA - Se o projecto visava engrandecer e visualizar todo o mosteiro, porque não foram cortados todos os plátanos na praça D. Afonso Henriques?
GONÇALO BYRNE - No que respeita aos plátanos, actuámos por precaução eliminando apenas dois deles, mas é uma questão que está em aberto. Podemos removê-los em qualquer altura. Por outro lado, também é verdade que se o fizermos estamos a retirar sombras e as esplanadas no local podem perder bastante sem elas.»
O Tinta Fresca não está sozinho nesta sua preocupação em remover os trambolhos dos plátanos. No blogue Terra de Paixão, o articulista, que se assina Alcobacense, discorre sobre o mesmo assunto:
«Plátanos da praça D. Afonso Henriques deverão ser podados, arrancados ou substituídos? Ou deverão antes morrer de pé?
Não sou a melhor pessoa para falar sobre este assunto, na medida em que sou contra a existência de plátanos nas cidades. São muito frequentes as alergias e os problemas respiratórios derivados deste tipo de árvores e em Alcobaça verifica-se essa situação. Na minha opinião seriam substituídos por um outro tipo de árvores de menor porte, que permitissem uma melhor visualização dos edifícios da praça. É uma das praças mais bonitas que conheço e é uma pena que esteja completamente escondida. Em termos de saúde seria também benéfico para todos, como referi anteriormente.»
O mesmo articulista arroga-se sabedor de podas, e recomenda à Câmara que ponha os olhos nos bons exemplos de outros municípios:
«Em relação às podas, é necessário e urgente podar quase a totalidade das árvores da cidade e do concelho. Todas as nossas árvores estão num estado lastimoso e necessitam deste tipo de intervenção. Vejamos os exemplos externos em que as árvores são podadas anualmente. Uma boa poda evita também problemas de quedas de árvores resultantes de ventos fortes.»
Mas esta história reserva para o final uma reviravolta edificante. Uma das consequências das obras no centro de Alcobaça é a preocupação, de que faz eco o nosso alcobacense, pela localização futura do monumento a três destacados membros de uma família da terra: Manuel, António e Joaquim Vieira Natividade. Saberá este inimigo dos plátanos que o grande agrónomo Joaquim Vieira Natividade foi entre nós um dos mais combativos e esclarecidos defensores da árvore na cidade? Que, contra gente como ele, escreveu coisas como esta:
«Compreende-se, num povo de fraca cultura, o desamor instintivo ao marmeleiro e ao castanheiro, árvores estas consideradas, desde remotos tempos, estimáveis ferramentas de educação e esteio dessa vida patriarcal, austera e digna, que os velhos, ao olharem o que vai pelo mundo, recordam com saudade e respeitoso enlevo. Já se não compreende, todavia, que se mutilem ou suprimam sem piedade o ulmeiro, o plátano, o umbroso freixo, o álamo esbelto, os nobres e austeros ciprestes, os cedros, os carvalhos e tantos outros soberbos gigantes vegetais que, estranhos, embora, muitos deles à nossa flora, encontraram na Lusitânia como que a sua segunda pátria.
Num país castigado por uma ardente canícula, dir-se-ia que temos horror à sombra; onde se pediam arvoredos frondosos e acolhedores, o ninho de um oásis a suavizar as inclemências do estio, fizemos terreiros imensos, cruamente ensoalheirados e inóspitos; quando tantos dos nossos monumentos lucrariam com uma nobre moldura vegetal que acarinhasse e aquecesse a frieza da pedra (...)»
É proverbial que ninguém é profeta na sua terra, mas este caso é peculiar: Alcobaça homenageia o profeta, mas faz o contrário do que ele pregou. Talvez nunca lhe tenha ouvido os ensinamentos: sabe tratar-se de um filho da terra que de tão ilustre até merece estátua, mas ignora por que razão é ilustre. Uma coisa tenho por certo: Joaquim Vieira Natividade ficaria estarrecido se voltasse hoje a Alcobaça.
13 comentários :
É a abominável política do Quero, posso e faço!, decorrente de uma absoluta falta de respeito pelos cidadãos!
Não se aplica a este caso a lei n.º 83/95, de 31 de Agosto com violação do artigo 4º por se tratar de um projecto com « impacte relevante no ambiente ou nas condições de vida das populações ou agregados populacionais» sem a prévia «audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados»?
(Um caso para o Dias sem árvores;-(
"... sou contra a existência de plátanos nas cidades..."
Dizia Daniel Boorstin (1914-2004) que o maior inimigo da sabedoria nao e? a ignorancia, mas sim a ilusao do conhecimento. Em Portugal somos um pais de iludidos. Pessoalmente, so' ha' uma coisa que me irrita mais do que a ilusao do conhecimento. E' que esses ?iludidos? tenham poder sobre os demais, neste caso o poder de mandar cortar os platanos. Infelizmente, os mais iludidos sao os que em Portugal tem a faca e o queijo na mao, ou melhor dizendo neste caso a "motoserra e a escavadoura? na mao.
O que este pais precisava era de uma dose letal de vergonha na cara, vergonha de falar do que nao se sabe, vergonha de impor aos outros a ilusao do conhecimento, vergonha de abrir a boca para dizer tanta asneira...
Esse senhor Alcobacense dotado de doses letais de ignorancia e tacanhez (sem ter sido abencoado com um pouquito de vergonha na cara) bem que podia fazer a malinha e ir pregar para o deserto. Mas bem longe de qualquer eventual oasis onde a fragancia a sombra e a frescura das arvores o pudessem aliviar.
Entao o Platano nao e? uma arvore das cidades valha-me nossa senhora de Santa Engracia? O platano que ate? e? chamado o vagabundo das cidades, o platano que tao bem resiste a poluicao. O platano que era tao estimado pelos romanos que os plantavam nas suas cidades...e que desde entao nunca mais deixou de fazer parte das cidades...
Eu nao gosto de chamar ignorante a ninguem ate? porque acho que ignorancia e? mas uma virtude que um defeito desde que acompanhada por diligencia e vontade de aprender. Mas este senhor Alcobacense e estes outros Senhores analfabrutos que cortam as arvores e dizem que sao contra os platanos nas cidades e outras perolas assim, dao-me a volta as entranhas, deixam-me menente. Ate?se me acelera o coracao e se me seca a boca quando ouco relatar os seus feitos... Nao lhes desejo mal nenhum.... apenas este.... que durante 7 dias vivessem num habitat onde nao existisse um unico ser vegetal, nem os produtos produzidos pelo reino vegetal. Talvez assim ao menos sentissem na pele o valor de uma arvore... e se por milagre conseguissem sobreviver talvez nao voltassem a impor assim, impunemente, aos outros a sua profunda e abjecta ?ilusao de conhecimento?.
Para quem nao pensa como o Senhor Alcobense ou para quem pensa como ele mas tem ao menos vontade de aprender aconselho estas leituras:
1)
"Como prometi no passado dia 17, hoje escrevo sobre o plátano.
Os plátanos são de origem desconhecida mas cultivados já há muitos anos como árvores de parques e arruamentos, desenvolvendo-se melhor em solos frescos e profundos. Isolado dá lugar a uma árvore de copa enorme com muitos ramos e um tronco curto e grosso. Por vezes é costume podá-lo com alguma regularidade. O plátano aceita esta poda mas, a meu ver, não fica tão bonito.
Os plátanos têm uma característica muito especial: aguentam bastante bem a poluição. (...)"
http://observador.weblog.com.pt/arquivo/004003.html
2)
" (...) The plane tree served literarily and actually as a shady invitation to philosophical discourse and as to romance."
http://www.h-net.org/~nilas/treespast.html
3)
"Early History of the Plane Tree
The plane-tree of Greek, Roman, and Hebrew legends was called Platanus. Botanically, this plane-tree is known as Platanus orientalis Linnaeus. The meaning of its ancient name is lost. In The Herbal (1633 ed.), John Gerard wrote, "The Plane is a great tree, having very long and far spreading boughs casting a wonderful broad shadow...highly commended and esteemed among the old Romans...it beareth his name of the breadth." But Gray's Manual of Botany (1950) offers "The ancient name, from the Greek plays, broad, apparently referring to the large leaves."
http://angeles.sierraclub.org/about/Cover.asp
Uma coisa me intriga a proposito dos Aliados... onde adquiriram alguns senhores Arquitontos a triste ilusao do conhecimento? Sera' genetico ou vira' com o canudo?
saudacoes caledonicas
ver
sou contra a existência de plátanos nas cidades
A mim os plátanos não me incomodam. Sou contra é autarcas deste calibre nas cidades.
Em termos de saúde seria também benéfico para todos
Exacto, é aí que quero chegar. Por uma questão de saúde pública, convinha desinfectar as cidades destes parasitas. A destruição tem de acabar. -- JRF
Acordo de madrugada... boca seca... bebo um copo de agua e vou a casa-de-banho. Volto para a cama... a cabeca aproveita os olhos abertos para comecar as voltas. Lembro-me dos platanos. Nao e' so' a ordem para corta'-los. E' tambem quem executa a ordem, pessoas que os cortam... Imagino qual seria o diametro dos troncos... pensamento puxa pensamento e dou comigo a exclamar em voz alta... adivinhem o que...
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Ingracia! Qual Santa Engracia, INGRACIA!
Parece-me que, infelizmente, a saúde pública está cada vez mais ameaçada. Não só com esta demência "arboricida", como com o aumento da força e expansão dos "parasitas", tal como o demonstraram nas últimas eleições o caso "Fátima e seus pastorinhos..."
Escrevi um poema que começa assim:
"Querido amigo queria mandar-te
o canto lavado dos plátanos
nos plátanos de Alcobaça".
Parece que fiquei sem contexto :(
Testemunho - passei por lá alguns dias da semana passada - está tudo arrasado. Nem um só plátano! Da marginal foram também arrancadas algumas palmeiras.
Em Alcobaça no Largo do Mosteiro foram deitadas abaixo todas as árvores.
Vivemos num país de assassinos, prepotentes, incompetentes. E o mais triste é que uma grande parte dos cidadãos apoia. Acha que as árvores sujam as ruas e entopem as sargetas.
Como se pode, e quem, alerar esta triste realidade? É urgente!
Bom, parece que citei mal o excerto do meu próprio poema:
"Querido amigo, queria enviar-te
o canto lavado dos pássaros
nos plátanos de Alcobaça".
Vieram abaixo as magnólias no largo do Mosteiro. Na face lateral os plátanos permanecem. Por muitos anos, espero.
Caro VM:
Não parece fácil alterar esse "estado de coisas". O desprezo pela árvore, comungado por grande parte da população (que prefere vistas "desafogadas" e se incomoda com o "lixo" das folhas secas), é um dos traços característicos do país, já retratado por Júlio Dinis, Aquilino Ribeiro, João de Araújo Correia, o próprio Natividade, etc. etc. Já é azar: agora que a modernidade e o consumismo apagaram tanto do que é "ser português", havia de ficar esse aleijão para não nos descaracterizarmos por completo. Que fazer? Denunciar, chamar as coisas pelos nomes, e esperar que os atingidos se envergonhem. Recapitulando: José Gonçalves Sapinho (Presidente da Câmara de Alcobaça), Gonçalo Byrne (arquitecto) e o opinativo Alcobacense são arboricidas contumazes e um perigo mortal para Alcobaça.
parece-me que muitos confundem o plátano com aquelas outras arvores de crescimento rápido, que penso serem choupas, e que se plantaram em muitas cidades.Estas quando florescem largam uma espécie de algodão branco que causa alergias a muita gente.
Eventualmente, se bem que «e contrariamente ao que a maioria das pessoas imagina (...), a chamada "febre dos fenos" (rinite alérgica sazonal) é provocada pelo pólen de outras espécies e não por sementes voadoras» dos choupos segundo fonte aqui indicada.
Caro Paulo Araújo,
DEnunciar sempre. Pois claro. Chamar as bestas pelos nomes, também. Mas será que não seria importante exigir formação nas escolas?! Sei que isto é extremamente difícil a par do que se passa com o ensino das artes ou até das regras básicas de civismo. Uma grande parte dos professores não tem nem formação nem sensibilidade para estas questões. Muitos serão professores sem vocação, apenas porque é uma saída depois do fim da licenciatura.
E será que as autarquias não tem poder a mais em determinadas matérias para que são totalmente incompetentes? Se me permitem e embora não tenha a ver com o tema deste blogue, relato um caso passado com a Câmara de Alcobaça e a Junta de freguesia de Alfeizerão. Em Setembro de 2002 a Comissão de Festas da Igreja de Alfeizerão resolveu fazer uma campanha para angariação de fundos. Como convém nestes casos, o padre tem que botar palavra. Resolveram montar um palanque no adro da igreja onde existia um pelourinho classificado como bem de interesse público desde 1933. E para quê montar 4 pés para pôr o palanque se já existia 1? Pois foi o que fizeram. Mal o estrado foi colocado o pelourinho desfez-se. Eu logo que soube do caso reclamei para o IPPAR. Durante estes 3 anos ( só há cerca de 1 mês o pelourinho foi colocado num estado incrível) eu não parei de relamar para todas as entidades, incluindo MCultura, Presidente da República, autarquias em questão. Apenas a PRepública e o Ippar responderam - este dizendo sempre que competia à autarquia o restauro do bem e que apesar de terem entrado em contacto várias vezes com a CMAlcobaça não obtinham qq resposta. Isto é lamentável!
Não é preciso pensar muito que as autarquias poupam se nas ruas existirem menos árvores. Não precisam de varrer as folhas, nem regar, nem podar. Apenas gostam de ver crescer os prédios porque estes dão-lhes fartos frutos que lhes enchem as contas bancárias de preferência no estrangeiro.
É claro que há excepções. Infelizmente poucas.
Em Lisboa qq imbecil pega numa serra e corta uma árvore sem que daí lhe venha qq incómodo. Perto da minha casa há um pinheiro e um choupo que são cortados várias vezes por ano porque - soube há pouco - para além de taparem a vista dá azar ter árvores junto à casa.
Enfim! Já falei demais. As minhas desculpas
Bom, já agora permitam-me que me defenda no que me parece ter sido um mal entendido.
O facto de não ser apreciador de Plátanos não quer dizer que seja contra as árvores. Se lerem bem o que publiquei não referi abate de árvores mas sim a substituição. Já plantei dezenas de árvores, tenho um jardim repleto de grandes árvores.
Felizmente Alcobaça é também uma cidade bastante verde e repleta de árvores e orgulho-me disso.
Em Alcobaça(e isso creio que não devem saber), todos os anos na Primavera centenas de pessoas recorrem aos serviços de saúde com problemas respiratórios relativamente graves relacionados com o "pó" dos Plátanos. A cidade está repleta de plátanos e será um crime a sua substituição numa das muitas praças da cidade?
Quanto às podas, peço-lhes que visitem as grandes cidades Europeias e vejam o estado em que se encontram as árvores deles. As nossas árvores têm um aspecto descuidado e isso é um facto.
E já agora, será que por ter uma opinião diferente sou ignorante? Será que por apreciar outros tipos de vegetação sou analfabruto? Onde está a liberdade de expressão, o respeito pelo próximo e a tolerância?! Ninguém mais do que eu tem tanta estima na natureza e gosta tanto de espaços verdes, acreditem!
Não vamos começar por aí a plantar árvores "à maluca" só porque é bom ter árvores. Até isso necessita de ser pensado. Tem de haver equilíbrio.
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