09/10/2005

"Ah ribeira do Lyma celebrada..."

. Peregrino-Écloga XV (Diogo Bernardes, ca1530-1596)

«(...) Limiano:
Está hum bosque ali verde, e sombrio,
Que sombra nos dará, assento o prado,
Fermosa vista o monte, o valle, o rio,
O rio que verás tam sossegado,
Que te parecerá que se arrepende,
De levar agua doce ao mar salgado.
Nem cabra, nem ovelha ali offende,
Erva, folha, nem flor, do ferro duro,
A planta, pelo ar livre, se estende,
N'uma secreta lapa, cristal puro,
Veras estar caindo em gotas fria,
Por antre hum musgo antigo ved' escuro.
Ali só me recolho os mais dos dias,
Por nao tratar com gente endurecida,
Que mais brandura sinto em penedias.


Rio Lima por entre freixos (Ponte do Lima-0403)
Peregrino: (...)
Podes-me crer, amigo esta verdade,
Que muitos valles vi, muitas ribeiras,
Mas esta me dobrou a saudade.
Que murtas, que medronhos, que avalleiras,
Que freixos, como estão d'era cingidos,
Quantas voltas lhe dá de mil maneiras!
Os lyrios junto d'agua bem nacidos,
Quanta graça que tem entre boninas,
Sem ordem cõ mais graça entremetidas.
Vem encrespando as aguas cristalinas,
Huma viraçaõ branda, a folha treme,
O movimento a penas determinas.
O seu perdido amor a Rolla geme,
Escondida se queixa a Filomella,
Parece que do ceu inda se teme!
Espanta-se quem olha, vendo aquella,
Rocha por cima d'agua pendurada,
Como ja se naõ deixa cair nella.
Ah ribeira do Lyma celebrada:
Com outras de mais aguas sempre sejas,
Sempre, de brandas Ninfas habitada.
Fujaõ longe de ti, iras , invejas,
Peçonha de pastores, morte sua,
Tudo sintas amor, tudo amor vejas!
De dia o claro Sol, de noite a Lua,
Em teu favor aspirem de maneira,
Que fértil sempre seja a praya tua.
(...)»
Obras completas /Diogo Bernardes, pref. e notas Marques Braga. - Lisboa : Sá da Costa, vol. II, 1946- O Lima ( p.105-107 )

Ler: O Lima e o Bucolismo de Diogo Bernardes (ensaio por J. Cândido Martins in Letras & Letras)
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1 comentário :

Anónimo disse...

Pelos vistos também havia medronheiros no Lima ;)