O Marquês não volta mais
O Jardim do Marquês, recém-recuperado pela Metro do Porto, a mesma empresa que quase o destruiu, não foi pretexto para qualquer cerimónia de cortar-a-fita: simplesmente tirou-se a vedação, permitindo-se assim o regresso dos frequentadores. Pode atribuir-se esta discrição à modéstia, mas também observar-se que, quatro semanas após a abertura, os trabalhos de jardinagem ainda não parecem concluídos, persistindo, em algumas das zonas verdes, o castanho do solo despido. Avanço ainda assim com uma opinião, pois se esperasse até tudo estar pronto o assunto perderia oportunidade. Oxalá parte das críticas falhem o alvo: seria sinal de que aquilo que falta fazer é melhor do que deixa adivinhar quanto já foi feito.
Mantendo-se embora o coreto, os bancos (antes vermelhos, agora verdes), as palmeiras e quase todos os plátanos (alguns, porém, muito maltratados), o carácter do jardim foi irreversivelmente transformado: as saudades do Marquês afinal não têm cura. A fonte circular transferida da Praça D. João I, dividindo-se em dois patamares, é mais alta, limpa e moderna do que a sua antecessora; a água, em vez de esguichar debilmente, jorra agora do patamar superior em vistosa abóboda; em redor da fonte, o desaparecimento de vários plátanos e a supressão da bordadura florida criaram uma clareira ensolarada, muito diversa do aconchego romântico de outrora.
Além do respiradouro gradeado, abriram-se no jardim dois acessos à estação do metro. O efeito não é intrusivo, pois arredaram-se as saídas para a periferia (uma a nordeste, outra a sudoeste), e camuflaram-se os muretes de protecção com duas longas sebes de camélias. Sem se prejudicar a circulação dos utentes, e respeitando-se a simetria do desenho original, aumentou-se visivelmente o espaço reservado à vegetação. Dois plátanos enfraquecidos, mas preciosos pela sombra que asseguram, foram escorados com cabos para evitar o seu abate. Camélias às dúzias, plátanos amparados na velhice: são setas que me apontam ao coração, deixando-me quase incapaz de dizer mal.
Mas algum mal é preciso dizer, pois o efeito geral do jardim não é agradável. Faltam ainda muitas plantas nos canteiros; mas, se não se diversificar a sua escolha, ou se os espaços agora vazios se destinarem a relvados, o resultado final não é promissor: demasiado buxo, algumas piracantas, umas ervitas rastejantes; tudo de um verde monótono, impenitente, sem alegria, que o colorido das flores sazonais - aqui proscritas tal como sucedeu nos Aliados, Rotunda da Boavista, Cordoaria, Avenida Montevideu, Praça do Infante, etc. - nunca irá aliviar.
É trágico que o espaço público do Porto esteja refém de arquitectos guiados por uma ideia desvairada e obsessiva: a de que os canteiros floridos são incompatíveis com a modernidade. Enquistados na sua bisonha auto-suficiência, deles não podemos esperar que algum dia abram os sentidos ao fascínio das flores; mas que a cidade seja por eles condenada à mesma cegueira é de um despotismo insuportável.
6 comentários :
Não conheço o jardim, nem a reformulação feita recentemente. Mas discordo à partida da referencia feita à monotonia do verde de plantas com a floração pouco visível. Há tanta beleza no verde claro das novas folhas do buxo ou na subtileza da passagem do tempo nos pinheiros, como nas flores dos hibiscos. O tempo e as diferentes fases de uma planta manifestam-se de diferentes maneiras, umas mais subtis outras mais imediatas e visíveis. Todas elas tão interessantes e extraordinárias. Cada característica de uma planta revela-nos imenso das adaptações fisiológicas de uma planta à paisagem de origem e compreender isso a cada manifestação das plantas em determinadas alturas do ano é simplesmente magnífico.
Quando falo de monotonia, queria referir-me não a uma planta em particular mas ao efeito do conjunto (eu também gosto de buxo). Sei bem como é possível combinar de forma apelativa plantas como essas (arbustos ou gramíneas), mas o que se tem feito nos jardins públicos do Porto (com as excepções recentes de Serralves e do Jardim do Carregal) não é nada disso: trata-se de cobrir grandes superfícies com relva ou com buxo. No novo Jardim do Marquês, haverá no máximo, contando com plátanos, palmeiras e camélias, umas seis ou sete espécies diferentes de plantas. Essa falta de diversidade revela sobretudo ignorância e pobreza de imaginação. Além de que os canteiros floridos são uma tradição no Porto que não há motivo nenhum para abolir.
Vale sempre a pena protestar por uma causa justa. Eu conheci esse e outros jardins e acho que se o "povo" não abrir bico, os germanos, os helderes, os manéis, (e se calhar tantos outros) adormecem beatificamente sobre os seus escritos. Ou seja, às tantas, "podia" ser pior! Acho piroso engalanar os candeeiros, no ar, coisa que dá trabalho e custa dinheiro ... e deixar a terra dos jardins nua ou com erva, como se nos mandassem pastar. Vivam as flores, viva até a madressilva humilde que encobre os muros velhos e perfuma o Verão!
Adoro este espaço e informações.
Continuem assim, abraços
obrigada por este blog. é um regalo para os olhos e ajuda a manter a esperança de que os dias com poucas árvores e sem flores sejam breves.
ainda não fui ao marquês.
fazem-me falta as cores das flores na rotunda da boavista e na avenida dos aliados.
agora - será para compensar? - até já penduram roupa a secar na borda do tanque, em frente aos paços do concelho!
lamento profundamente que se tenha transformado a sala de visitas do Porto numas trazeiras impermeabilizadas e tristes aonde até já se faz a barrela!
tripeira
Fiquei comovido com as fotos e comentários, pois já não vou ao Porto desde que os estaleiros das obras do metro ainda existiam.O Jardim do Marquês que diferença...pergunto-me como os plátanos imponentes ainda lá estão. Que saudades das tardes e dos livros comprados na Lello que folheei ao pé do lago.Corta-me o coração ver como modificaram a nossa querida cidade e aquilo que para mim ela tinha de mais belo - os seus belíssimos espaços verdes.
Quanto aos canteiros na Av.dos Aliados acho um crime terem desaparecido,esquecendo as décadas de trabalho e dedicação dos jardineiros que os tinham num estado irrepreensível e tão alegre.Eram uma explosão de cor na austera avenida.Acho que era a única cidade do país, que teve sempre que a visitei, os seus canteiros floridos e alegres à "porta de entrada" para nos receber e convidar a entrar.
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